A política social- a crescente importância da colonização mental
O A
política social: a crescente importância da colonização mental
Desde a colonização dos finais do século XIX e
mais especificamente depois da chegada de Salazar ao poder em Portugal, desenvolveu-se
uma política social para promover a colonização mental.
O colonizador percebeu que havia duas formas
de formar as consciências dos colonizados. Uma era através da religião e a
outra era por meio da educação, sobretudo a educação escolar. O principal objectivo
da colonização mental era convencer o indígena a tornar-se um trabalhador
barato na economia colonial e cada vez mais português na língua e na fé.
O papel
das missões católicas
Antes de 1930, a política das missões
religiosas era ditada pelo pensamento de António Enes.
O papel das missões
católicas, na opinião de António Enes (comissário régio para Moçambique, no seu
relatório sobre a Igreja na colónia).
Podem ir para lá [Moçambique] padres, mas lá é que hão de
aprender a ser missionários.
Não se aprende a catequizar negros sem nunca ter visto um
negro. Não se adquirem habilitações para influir no estado social dos povos
africanos sem conhecer os caracteres, os costumes, as línguas, o modo de ser
intelectual e moral. É pois em Moçambique que, na minha opinião, se deve educar
o clero destinado às igrejas e missões de Moçambique. Não quer ¡sto dizer que
se faça lá toda a educação deste clero, mas sim a educação especial, prática e
teórica, que o padre precisa de adquirir para ser missionário.
António Enes, in Guia Bibliográfico, pp. 301-304
Para além das propostas acima descritas no
documento, Enes defendia também a elaboração de um plano para a criação de uma Congregação
das Missões Portuguesas da África Oriental, uma instituição que, subordinada ao
Governo português e à diocese de
Moçambique, tinha como fim congregar, formar e
habilitar pessoal para os serviços eclesiásticos. A verdadeira missão destes
missionários era:
— fazer a divulgação da propaganda religiosa e
moral;
— formar o professorado primário.
No início do século XX, viveu-se um período de
crise na relação entre o Estado Português e a Igreja. Com o fim da monarquia em
Portugal e a proclamação da República em 1910, a ligação entre o Estado e
Governo sofreu um revés, pois a nova república era abertamente laica e
anticlerical. Uma das medidas tomadas foi a instituição da separação da Igreja
do Estado (1911) e a aplicação em 1913 das suas disposições às colónias.
A partir de 1926, com a implementação da
ditadura militar e, sobretudo depois de 1930 com a promulgação do Acto
Colonial, teve lugar uma mudança no papel das missões católicas nas colónias.
Nesse documento, as missões eram os instrumentos de civiação dos indígenas e
influência nacional nas colónias.
Em 1940, deu-se uma formalização da aliança
entre a Igreja Católica e o Estado Português ao mais alto nível. O Governo
central de Lisboa e o Vaticano assinaram o Acordo Missionário. Neste acordo estabeleceu-se
o seguinte:
— a atribuição de subsídios para as missões;
— as missões podiam fundar e dirigir escolas
para indígenas e europeus, colégios masculinos e femininos e hospitais;
— nas escolas indígenas era obrigatório o
ensino da língua portuguesa, devendo as línguas indígenas serem usadas no
ensino da religião conforme os princípios da Igreja.
Em 1941, pelo Estatuto Missionário clarifica-se
o acordo e delibera-se o seguinte: o Estado garante à Igreja Católica no
Ultramar o livre exercício da sua actividade sem impedimentos; os bispos
recebem salário equivalente ao dos governadores distritais; os arcebispos recebem
um vencimento igual ao dos governadores-gerais; é proibida a atribuição de
subsídios a outras igrejas que não fossem portuguesas e católicas.
Entre 1930 e 1937 houve uma expansão das
missões católicas. A partir de 1930 era necessário tornar a população
moçambicana mais portuguesa através do ensino da língua e cultura portuguesas e
as missões deviam ocupar-se deste papel.
A natureza do ensino
Antes de 1845 a educação dos filhos da
burguesia mercantil
cristã esteve entregue, por certos períodos, a
padres, professores
particulares e professores pagos pelo Estado
que substituIam as
escolas. A educação dos rapazes era
complementada com o encami
nhamento para escolas no exterior. As filhas
não recebiam qualquer
educação escolar complementar.
As primeiras mudanças educacionais com o
envolvimento do
Estado foram introduzidas pelo decreto de 14
de Agosto de 1845 de
Joaquim José Falcão. Deste modo foram
estabelecidas as escolas
públicas nas províncias ultramarinas. Assim, o
decreto de Falcão
uniformizou a educação formal e dividiu o
ensino primário em dois
graus: o primeiro grau, a ser ministrado nas
escolas elementares; e
o segundo grau, que ficaria circunscrito às
escolas principais a ins
talar nas capitais das províncias.
Um facto muito importante é que esta
legislação não tinha
nenhuma distinção legal entre africanos e
europeus, estando de
acordo com os princípios liberais de igualdade
que proibiam qual
quer discriminação.
Mais tarde, foi promulgado o decreto de Rebelo
da Silva, em
1869, que acrescentou ao anterior alguns
pontos: sujeitou todo o
ensino público à superintendência e
fiscalização das autoridades
responsáveis; definiu melhor as atribuições da
inspecção; ampliou a
competência e o número de vogais do conselho
inspector; o grau
elementar de instrução primária foi dividido
em duas classes; sepa
raram-se os sexos nas escolas; e, nas escolas
principais, foram
introduzidas novas disciplinas, entre elas o
ensino de línguas
estrangeiras, o inglês e o francês.
Anos mais tarde, com o agudizar do
colonialismo sobre Moça m
bique, nota-se claramente a intenção de
promover a colonização
mental através da educação escolar. Essa
colonização mental só foi
possível graças ao crescimento do número de
escolas oficiais e
católicas. Nestes anos também se notou um
decréscimo do número
das escolas protestantes e maometanas.
Devemos antes pensar em fazer de cada criança
um operário, um pro
fissional, capaz de ganhar a vida labutando no
campo ou na oficina, por
que as condições da actual luta social, por
toda a parte, e as necessidades
desta colónia exigem que se dê hoje à criança
uma educação menos vis
tosa mas mais prática, menos senhorial mas
mais utilitária, menos intelec
tuai mas mais manual e criadora de riqueza e
do conforto de todas as clas
ses.
Azevedo, 1920
[921 Os objectivos da educação escolar
colonial foram claramente formulados em
várias cartas pastorais e documentos oficiais,
com destaque para esta de Azevedo
datada de 1920.
Em Moçambique, o ensino colonial dos africanos
tinha os
seguintes objectivos:
— formar elementos da população que actuariam
como interme
diários entre o Estado colonial e as massas;
— e inculcar uma atitude de servilismo nos
africanos educados.
No período entre 1929 e 1930 foi redigida uma
legislação que
aprovava uma série de regulamentos e programas
do ensino, O seu
objectivo era o mesmo: formar a consciência
dos indígenas, aportu
guesá-la, torná-la mais civilizada.
[O ensino deve] conduzir gradualmente
o indígena da vida selvagem para a vida
civilizada, formar-lhe a consciência de
cidadão português e prepará-lo para a luta
da vida, tornando-o útil à sociedade e a si
próprio.
Diploma n.° 238 de 17 de Maio de 1930, ¡n,
Amélia Neves de Souto,
Guia Bibliográfico, p. 315
[951 Excerto de um diploma de 1930 sobre a
função
do ensino rudimentar.