Breve história da literatura moçambicana

 Os primeiros manuais de literaturas africanas de língua portuguesa

tratavam da história dessas literaturas sem considerar suas especificidades nacionais. É nesse sentido generalizante, a fim de localizarmos

a literatura moçambicana no contexto mais amplo das literaturas

africanas de língua portuguesa, que observaremos, inicialmente, a

proposta do escritor e crítico português Manuel Ferreira (1987), em

Literaturas africanas de expressão portuguesa.

Em seguida, examinaremos os trabalhos de autores que se voltam

exclusivamente para a literatura moçambicana. Dentre os poucos

textos existentes no Brasil sobre a historiografia literária de Moçambique, escolhemos fazer uma leitura comparativa das propostas de

Fátima Mendonça (1988), em Literatura moçambicana: a história e

as escritas; Manoel de Souza e Silva (1996), no seu livro Do alheio ao

próprio: a poesia em Moçambique; e de Pires Laranjeira (1995a e 2001),

respectivamente, primeiro, no capítulo intitulado “Moçambique: periodização”, em Literaturas africanas de língua portuguesa, e, depois,

no artigo “Mia Couto e as literaturas africanas de língua portuguesa”.

É de notar que os textos são de natureza diversa: trata-se do livro de

ensaios de Fátima Mendonça; da tese de doutorado de Manoel de

Souza e Silva; de um capítulo do manual didático de Pires Laranjeira e

de um artigo científico também de sua autoria. Todos os textos, porém,

tratam do mesmo problema: apresentar em linhas gerais a produção

literária de Moçambique.

O estudo de Manoel de Souza e Silva traça um perfil histórico da

formação e consolidação da poesia moçambicana à luz dos fatos que

engendram o “complexo colonial de vida e pensamento” (Bosi, 1994,

p.13) em Moçambique. O livro de Pires Laranjeira, por sua vez, traça

um panorama das literaturas dos cinco países africanos de língua portuguesa. Desse, tomamos o vigésimo capítulo, no qual o autor propõe

uma periodização que divide a história literária de Moçambique em

cinco períodos distintos. A ideia de uma periodização da literatura

moçambicana fora desenvolvida anteriormente por Fátima Mendonça,

no ensaio que consideraremos aqui. 

o rio e a casa 35

Nosso objetivo é conhecer melhor as questões referentes à historiografia da literatura moçambicana e, com isso, ampliar o nosso olhar

sobre a produção literária de Mia Couto, tentando compreendê-la no

âmbito do processo de formação da literatura moçambicana.

Manuel Ferreira

Manuel Ferreira (1987), ao examinar as literaturas africanas de língua

portuguesa em seu conjunto, reconhece quatro momentos distintos de

produção literária, que podemos dividir em dois grupos: a) a literatura

das descobertas e expansão; b) a literatura colonial, que ainda não podem

ser consideradas africanas; c) a literatura de sentimento nacional; e d) a

literatura de consciência nacional, essas, sim, pilares da construção dos

sistemas literários nacionais dos países africanos de língua portuguesa.

Vejamos cada um deles, sob a óptica de Manuel Ferreira (1987).

a) Literatura das descobertas e expansão: coincide com a literatura de

viagens, produzida pelos portugueses a partir da empresa de expansão

colonial, iniciada no século XV. “A obra de um Gil Vicente ou [...] a de

poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, ao lado das ‘coisas

de folgar’, foram marcadas pela Expansão no interior dos ‘bárbaros

reinos’” (Ferreira, 1987, p.7). Além da poesia, a temática africana esteve presente também nas correspondências, relatórios e tratados que

cuidavam de informar os portugueses da metrópole sobre a realidade

encontrada nas antigas colônias africanas.

b) Literatura colonial:14 Manuel Ferreira (1987, p.11) distingue a

14 Ao falarmos em literatura colonial, vale referir o excelente estudo de Francisco

Noa (2003), Império, mito e miopia: Moçambique como invenção literária que,

embora não sendo nosso objeto específico de estudo por tratar de uma única fase

da história da literatura moçambicana, consiste num dos estudos mais profundos

sobre o período literário a que se refere. Nele, o estudioso problematiza questões

em torno dessa literatura, cuja denominação implica tanto num critério histórico

quanto numa estética determinada. Para Noa (2003, p.402), trata-se de uma literatura de contornos contraditórios: “tanto nos aparece como a expressão enfática do

etnocentrismo europeu como seu factor de questionamento. Com a historicidade

por si desenvolvida, passando do exotismo ao cosmopolitismo, do monovocalismo

ao plurivocalismo, da afirmação categórica à expressão oblíqua, do estereótipo à 

36 ana cláudia da silva

literatura colonial das literaturas africanas de língua portuguesa. A

primeira mantém uma perspectiva eurocêntrica, na qual “o homem

negro aparece como por acidente, por vezes visto paternalistamente,

o que, quando acontece, já é um avanço, porque a norma é a sua marginalização ou coisificação”. Na literatura colonial, o homem branco

é apresentado como um herói mítico, um desbravador que levaria a

civilização às terras inóspitas do continente africano. A inferioridade

do homem negro era ressaltada, baseada em teorias “racistas” como

a de Lévy-Bruhl,15 para quem o pensamento primitivo era alógico ou

pré-lógico, ou seja, anterior à lógica.16

Segundo Manuel Ferreira, a literatura colonial teve início no

último quartel do século XIX e conheceu seu apogeu nas décadas de

20 e 30 do século XX, quando ganhou grande aceitação do público,

movido pelo interesse pela temática exótica. Os autores, porém, estavam incapacitados para assumir um ponto de vista africano, devido

à política assimilacionista17 que desenvolveu Portugal junto às suas

valorização do Outro, das certezas às ambiguidades, do mito à utopia, a literatura

colonial não só perturbou o cânone, como, por isso tudo, estabeleceu a ponte para

a emergência de uma literatura nacional moçambicana”.

15 Manuel Ferreira (1987, p.11) lembra que Lévy-Bruhl renunciou à sua tese pouco

antes de morrer, em 1939.

16 “A questão não só do índio como do negro em nossa cultura se coloca sob dois

focos. Um foco mais antigo era considerar que esses ‘primitivos’ tinham uma

mentalidade diferente da nossa, chamada ‘pré-lógica’, não-lógica porque antecede

a lógica. Isso foi defendido pelo etnólogo francês Lucien Lévy-Bruhl em seu

livro A mentalidade primitiva, muito conhecido. O segundo foco defendia que

o primitivo, principalmente o índio e o negro, estavam ligados à natureza e dela

participavam. Tal participação era ao mesmo tempo arrimada às coisas e conduzida por potências místicas. Este era o ponto de vista de Lévy-Bruhl” (Nunes &

Benchimol, 2007, p.288).

17 O assimilacionismo é um processo no qual as diferenças socioculturais são superadas pela contaminação ou integração de uma cultura pela outra. No caso da

África, chama-se assimilado ao grupo de africanos que o poder colonial atraiu para

si, de modo a efetivar o processo de colonização por uma política educacional que

levava os africanos a defenderem os ideais da metrópole. Fátima Mendonça (1988,

p.34) observa o seguinte: “Parecendo querer contrariar as intenções subjacentes

à política de assimilação, o grupo de jornalistas e colaboradores desta imprensa

africana [surgida no período entre 1925 e 1945-47] endemarca-se, pelas suas 

o rio e a casa 37

ex-colônias africanas, a partir da publicação do “Ato Colonial”, em

1930, que estabelece também o ensino de língua portuguesa no país

(Gonçalves, 2000, p.2).18

c) Literatura de sentimento nacional: Ferreira coloca nesta categoria as

produções literárias que surgiram paralelamente à literatura colonial, no

século XIX, mas cujos autores, embora não assumissem uma oposição

aberta ao colonialismo, rejeitavam a exaltação do colono, divulgada

pela literatura colonial. Segundo Ferreira (1987, p.19), “a institucionalização do regime colonial dificultava o nascimento de uma consciência

anticolonialista ou outra atitude que não fosse a de aceitá-la como consequência fatal da história”. O fato de que esses escritores manifestavam

um sentimento nacional de valorização do mundo africano já constitui,

para Ferreira, um grande avanço, que conduziria as literaturas nacionais

africanas, posteriormente, à negritude ou africanidade.

O autor lembra que, em Moçambique, a fixação dos europeus tinha

um índice menor do que em Angola; a imprensa também demorou

mais a instalar-se nessa ex-colônia: enquanto Cabo Verde contava

com o prelo desde 1842 e Angola, desde 1845, em Moçambique ele só

posições críticas, do poder colonial. Estas posições assumem a forma de defesa

das camadas económica e socialmente desfavorecidas i.e. da população negra de

Moçambique”.

18 “A ocupação sistemática de Moçambique pelos portugueses está concluída em

1918, data que assinala o fim das campanhas militares, e é nesta primeira metade

do século XX que começam a ser tomadas medidas de relevo para o desenvolvimento de bases sociais que podem garantir a difusão do Português em todo o

país. Assim, em 1930, através do ‘Acto Colonial’, é criada a legislação que regula

a relação de Portugal com as suas colónias, e é também neste ano que é criado

o ensino indígena, através do qual a potência colonial procura assegurar que as

populações locais tenham acesso à instrução formal em Português. Vale a pena

assinalar que é ainda nesta primeira metade do século XX que surgem os primeiros

jornais literários em língua portuguesa – nomeadamente O Africano e O Brado

Africano – que assinalam a existência de uma elite moçambicana local produtora

de um discurso culto em Português. É a partir deste período que se desenvolvem os

centros urbanos no sul do país, e que se inicia a colonização massiva do território:

em 1950 chegam a Moçambique 50.000 colonos, e há notícia de que em 1960

chegaram mais 90.000. Estes podem ser considerados factores que favoreceram

a difusão da língua portuguesa neste país” (Gonçalves, 2000, p.2).

38 ana cláudia da silva

chegou em 1854, o que dificultou a circulação da literatura.19 É certo

que o país contara com a presença de Tomás Antônio Gonzaga, que lá

viveu em degredo entre os anos de 1792 e 1810; isso, porém, embora

não tivesse passado despercebido ao movimento cultural da Ilha de

Moçambique (antiga capital do país na era colonial), não teve grande

repercussão na formação de uma literatura nacional.

Ferreira chama a atenção para o surgimento dos semanários O

Africano, em 1877; O Vigilante, em 1882; e Clamor Africano, em

1892, nos quais eram publicados os primeiros poemas de autores

moçambicanos. Já no século XX, começaram a circular os periódicos

O africano – de 1908 a 1920 – e O Brado Africano, em 1918, nos quais

a literatura contava com mais espaço – o que também acontecia no

Almanach de lembranças – que circulou entre 1851 e 1932 –, que recebia

a contribuição de poetas da diáspora portuguesa. Destacam-se, nesse

período, os irmãos José e João Albasini, fundadores de O Africano e

O Brado Africano, e Campos Oliveira, poeta da Ilha de Moçambique,

considerado o primeiro poeta moçambicano.20

d) Consciência nacional: Essa se forma a partir da literatura de

sentimento nacional, conforme Ferreira (1987, p.40):

Cedo se esboça uma linha africana, irrompendo de um sentimento

regional e em certos casos de um sentimento racial fundo, mas postulado

ainda em formas incipientes [...]. De sentimento regional vai se tornar

representativa do sentimento nacional, dando lugar a uma literatura alimentada já por uma verdadeira consciência nacional e daí a uma literatura

africana, caracterizada pelos pressupostos de intervenção, na certeza de

que à literatura pode ser atribuída uma particular participação social.

19 Um exaustivo levantamento da literatura que circulava nos periódicos oitocentistas

das ex-colônias portuguesas foi feito por Helder Garmes (1999), que destaca,

em Moçambique, a contribuição de O Noticiário de Moçambique (1872-1873),

do Jornal de Moçambique (1873-1875) e do África Oriental (1876-1877) para a

circulação da literatura; nestes, eram publicados crônicas, contos, poemas e uma

incipiente crítica literária; os textos eram de autores portugueses, tais como Camilo

Castelo Branco, e de poetas de Moçambique, como Campos Oliveira.

20 A poesia de Campos Oliveira tinha como modelo a poesia romântica portuguesa,

o que motivou Ferreira a chamá-lo “O mancebo e trovador Campos Oliveira”,

título de uma obra de Manuel Ferreira sobre o poeta (1985).

o rio e a casa 39

Em Moçambique, essa literatura de consciência nacional tem início,

na lírica, com a publicação de Sonetos (1943), de Rui de Noronha, e na

narrativa, com Godido e outros contos (1952), de João Dias; esta obra é

apontada por Ferreira como a primeira narrativa moçambicana.

Outros estudiosos há, como veremos, que consideram a obra O livro

da dor, de 1925, que reúne contos de João Albasini, como a primeira

obra literária moçambicana. Manuel Ferreira discorda: “Embora a

experiência de João Albasini [...] ganhe o direito de ser aqui registrada,

numa perspectiva da história literária não alcançou qualidade intrínseca

para se tornar um texto de valia” (Ferreira, 1987, p.195). Embora o autor

desqualifique o texto de Albasini, insere uma nota ao leitor, afirmando

não ter conhecimento exato da obra, pelo fato de não encontrar-se ela

na Biblioteca Nacional de Lisboa. Sua apreciação da pouca qualidade

literária da obra deve-se, provavelmente, a outros comentaristas externos, que ele reproduz em segunda mão.

Na narrativa, Ferreira destaca apenas as contribuições de Luís Bernardo Honwana e Orlando Mendes, o que se justifica pelo recuo temporal desse esboço historiográfico, publicado muito antes que se pudesse

vislumbrar um sistema literário mais consolidado em Moçambique.

Fátima Mendonça

A proposta de periodização da literatura moçambicana de Fátima

Mendonça (1988) foi uma das primeiras a circular no Brasil. Mendonça

reconhece três períodos formativos: de 1925 a 1945/1947, daí até 1964

e desse ano até 1975. Assim como a proposta de Manuel Ferreira, a

de Fátima Mendonça também não contempla as produções do último

quartil do século XX em diante.

a) 1º período: 1925-1945/1947. O primeiro período se estende desde

1925, com a publicação de O livro da dor, de João Albasini. Mendonça

(1988, p.35) reconhece essa como uma das primeiras obras “produzidas

com intenção marcadamente estética” na literatura moçambicana.

A autora menciona também as produções de Augusto Conrado e de

Rui de Noronha – este último conta com abundante colaboração nos 

40 ana cláudia da silva

periódicos, durante a década de 1930; seus poemas foram recentemente

publicados, sob organização de Fátima Mendonça (Noronha, 2006).

Trata-se de um grupo de poetas cuja voz contrariava “as intenções subjacentes à política de assimilação” (Mendonça, 1988, p.34),

revelando posições críticas quanto ao poder colonial, ao defender as

camadas mais pobres da população (ou seja, os negros), sem, contudo,

resolver as contradições do assimilado:

ser assimilado implica abdicar de um universo cultural de que se é herdeiro

em benefício de um outro, imposto como alternativa para o prestígio e ascensão sociais. Esta “opção” produzirá o conflito não resolvido. O assimilado já

não é (?) africano e nunca será europeu. A sua função na sociedade colonial

é definida pelos limites a que o poder o circunscreve. (ibidem)

Mendonça aponta que a poesia de Rui de Noronha recebe, por

parte da crítica moçambicana, apreciações desqualificantes no que

diz respeito à nacionalidade. Segundo a autora, Orlando Mendes a

considera como um patrimônio da literatura portuguesa, enquanto

Rui Knopfli aponta nela “características de uma africanidade irresoluta” (Mendonça, 1988, p.35). O poema “Quenguelêquelêzê!”,21

21 “Durante o período de reclusão, que vai do nascimento à queda do cordão umbilical

das crianças, o pai não pode entrar na palhota sob pretexto algum e ao amante da

mãe de uma criança ilegítima é vedado, sob pena de a criança morrer, passar nesse

período defronte da palhota. O período de reclusão, entre algumas famílias de barongas, é levado até ao aparecimento da primeira lua nova, dia de grande regozijo e

em que a criança, depois de uma cerimónia especial denominada “iandlba”, aparece

publicamente na aldeia, livre da poluição da mãe. // Quenguelequêze!... .Quenguelequêze!... / Quenguelequêêêzeee // Quenguelequêêêzeee // Na tarde desse dia de

janeiro / Um rude caminheiro / Chegara à aldeia fatigado / De um dia de jornada.

/ E acordado / Contara que descera à noite a velha estrada / Por onde outrora

caminhara Guambe / E vento não achando a erva agora lambe /Desde o nascer do

sol ao despontar da lua, / Areia dura e nua. // Depois bebera a água quente e suja

/ Onde o mulói pousou o seu cachimbo outrora, / Ouvira, caminhando, o canto da

coruja / E quase ao pé do mar lhe surpreendera a aurora. // Quenguelequêze!....

Quenguelequêze!... / Quenguelequêêêzeee // Pisara muito tempo uma vermelha

areia, / E àquela dura hora à qual o sol apruma / Uma mulher lhe deu numa pequena

aldeia / Um pouco de água e “fuma”. // guelequêêêzeee!... // Descera o vale. O sol

quase cansado / Desenrolara esteiras / Que caíram silentes pelo prado / Cobrindo

até distante as maçaleiras... // Quenguelequêêê... // Vinha pedir pousada. / Ficava 

o rio e a casa 41

de Noronha, é apontado como um exemplo dessa visão exótica do

seu próprio mundo, assumida pelo escritor assimilado, como indica

Ilídio Rocha: “Fácil é ver [...] o folclore visto por brancos, turistas de

ainda distante o fim da sua jornada, / Lá muito para baixo, a terra onde os parentes

/ Tinham ido buscar os ouros reluzentes / Para comprar mulheres, pano e gado

/ E não tinham voltado... // Quenguelequêze! Quenguelequêêêze!... / Surgira a

lua nova / E a grande nova / Quenguelequêze! ia de boca em boca / Numa alegria

enorme, numa alegria louca, / Traçando os rostos de expressões estranhas / Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,/ Loucamente... / Perturbadoramente... /

Danças fantásticas / Punham nos corpos vibrações elásticas, / Febris, / Ondeando

ventres, troncos nus, quadris... / E ao som das palmas / Os homens cabriolando

/ Iam cantando // Medos de estranhas, vingativas almas, / Guerras antigas /

Com destemidas ímpias inimigas / E obscenidades claras, descaradas, / Que as

mulheres ouviam com risadas / Ateando mais e mais / O rítmico calor das danças

sensuais. / Quenguelequêze!... ... Quenguelequêze!... // Uma mulher de quando

em quando vinha / Coleava a espinha, / Gingava as ancas voluptuosamente / E

posta diante do homem, frente a frente, / Punha-se a simular os conjugais segredos.

/ Nos arvoredos / Ia um murmúrio eólico / Que dava à cena, à luz da lua um quê

diabólico... / Queeezeee... Quenguelequêêêzeee!... // Entanto uma mulher saíra

sorrateira / Com outra mais velhinha, / Dirigira-se na sombra à montureira / Com

uma criancinha. / Fazia escuro e havia ali um cheiro estranho / A cinzas ensopadas,

/ Sobras de peixe e fezes de rebanho / Misturadas... / O vento perpassando a cerca

de caniço / Trazia para fora um ar abafadiço / Um ar de podridão... / E as mulheres

entraram com um tição. / E enquanto a mais idosa / Pegava criança e a mostrava à

lua / Dizendo-lhe: “Olha, é a tua”, / A outra erguendo a mão // Lançou direita à

lua a acha luminosa / O estrepitar das palmas foi morrendo / A lua foi crescendo...

foi crescendo / Lentamente... / Como se fora em branco e afofado leito / Deitaram

a criança rebolando-a / Na cinza do monturo. / E de repente, / Quando chorou, a

mãe arrebatando-a / Ali, na imunda podridão, no escuro / Lhe deu o peito / O pai

então chegou, / Cercou-a de desvelos, / De manso a conduziu com os cotovelos /

Depois tomou-a nos braços e cantou / Esta canção ardente: / Meu filho, eu estou

contente. / Agora já não temo que ninguém / Mofe de ti na rua / E diga, quando

errares, que tua mãe / Te não mostrou à lua. / Agora tens abertos os ouvidos / P’ra

tudo compreender. / Teu peito afoitará impávido os rugidos / Das feras sem tremer.

/ Meu filho, eu estou contente / Tu és agora um ser inteligente. / E assim hás-de

crescer, hás-de ser homem forte / Até que lá cansado / Um dia muito velho / De

filhos rodeado, / Sentindo já dobrar-se o teu joelho / Virá buscar-te a Morte... / Meu

filho, eu estou contente. / Meu susto já lá vai. // Entanto o caminheiro olhou para

a criança, / Olhou bem as feições, a estranha semelhança, / E foi-se embora. / Na

aldeia, lentamente, / O estrepitar das palmas foi morrendo... / E a lua foi crescendo...

/ Foi crescendo... / Como um ai... / Quando rompeu ao outro dia a aurora / Ia já longe.., muito longe.., o verdadeiro pai...” (Noronha apud Acha et al., 2003, p.193-7).

42 ana cláudia da silva

passagem, mesmo que meio negro o seu autor. Conhecedor do rito por

via de leituras e não pela vivência, ficou do lado de fora a ver Danças

fantásticas [...]” (Rocha apud Mendonça, 1988, p.35).

Mendonça (1988, p.35-6) destaca, na poesia desse período, “a convergência de índices reveladores de uma consciência de ser diferente,

da afirmação de pertença a um grupo – étnico e social – diferenciado

do grupo que exerce o poder numa relação de colonizador versus colonizado”. Nessa produção, muitas vezes considerada como herdeira do

romantismo português, vemos um eu lírico dividido entre o seu mundo

e o mundo do outro – contradição implícita no processo de assimilação.

Para Mendonça, a dicotomia romântica do eu ajustava-se às necessidades

expressivas dos poetas assimilados.

b) 2º período: 1945/1947-1964. Um segundo período tem início a

partir de 1945-1947, quando alguns jovens escritores começam a se

rebelar com a dominação política, conforme explica Orlando Mendes

(apud Mendonça, 1988, p.37):

Ao passo que se intensificava a colonização mental, verifica-se um

despertar entre jovens, especialmente nas principais cidades, para uma

nova tomada de posição cultural [...]. Este movimento constituído por

africanos incluía também descendentes de colonos, que assumiam atitudes

de inconformismo com a política colonial [...]. O movimento solidariza-se

com as aspirações populares e apresenta-se como porta-voz intelectual

do nacionalismo.

Em 1947, a publicação de alguns poemas de Orlando Mendes na

revista portuguesa Seara Nova indica o início de uma forma mais autêntica de literatura. Em 1948, Noémia de Sousa publica seu primeiro

poema e, em 1948, morre o escritor João Dias, deixando um conjunto

de contos – Godido e outros contos – editados somente em 1952, pela

Casa dos Estudantes do Império.

Segundo Mendonça, esses acontecimentos são marcados pelas

mudanças históricas que sucederam a Segunda Guerra Mundial (1939-

1945). Em Moçambique, a literatura da década de 50 do século XX

deixa entrever dois direcionamentos. 

o rio e a casa 43

Parte dessa literatura deixa perceber a sedução pela ideia de uma síntese

futura entre duas visões de mundo, duas formas de expressão: a africana

e a europeia. [...] A outra parte inicia a afirmação de uma africanidade

próxima da Negritude... (Mendonça, 1988, p.38)

É nesse período, segundo Mendonça, que se dá a primeira tentativa

de criar um espaço literário nacional em Moçambique. Nele estão

incluídas as publicações da revista Itinerário, do jornal O Brado Africano – já mencionado por Manuel Ferreira – e da revista Msaho.22 Os

nomes de destaque desse período são Augusto dos Santos Abranches

e João da Fonseca Amaral, que trouxeram a Moçambique as contribuições dos movimentos modernista e neorrealista portugueses; os

poetas Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Rui Guerra,23 José Craveirinha,

Rui Nogar e Duarte Galvão (pseudônimo de Virgílio de Lemos); e o

pintor António Bronze. Mendonça refere também as antologias de

poesia moçambicana publicadas em Portugal, das quais já tratara

Manuel Ferreira.

Esse período encerra-se em 1964, com as prisões de alguns intelectuais, como José Craveirinha, Rui Nogar, Malangatana Valente

e Luís Bernardo Honwana; segundo Fátima Mendonça, a última

publicação deste período é Nós matamos o cão tinhoso!, de Honwana,

em 1964. As prisões ocorreram em decorrência do acirramento da

22 Msaho foi um jornal literário, editado por Virgílio de Lemos, Domingos de Azevedo e Reinaldo Ferreira, que circulou com apenas um número. Pires Laranjeira nos

dá notícia da sua importância: “Os próprios promotores da folha poética tiveram

consciência, explícita na apresentação, de que esse primeiro e único número ainda

não tinha possibilidade de se constituir como artefacto de moçambicanidade, no

sentido de uma ideologia e estética autonomizarem os textos num corpus literário

diferenciado dos outros de língua portuguesa. [...] Não se pode todavia menorizar

Msaho, que, desde logo, pela escolha, em título, do nome de um canto do povo

chope, e a participação, com um poema cada, de Noémia de Sousa, Virgílio de

Lemos e Rui Guerra, deixou entrever preocupações intelectuais de empenho na

formação da literatura moçambicana, procurando fundamentar-se nas raízes da

cultura tradicional e abrindo-se à participação comprometida com um projecto

de mudança popular” (Laranjeira, 1995a, p.268, grifos do autor).

23 Rui Alexandre Guerra Coelho Pereira, conhecido diretor de cinema brasileiro, nasceu em Maputo, Moçambique, em 1931, e radicou-se no Brasil a partir de 1958.

44 ana cláudia da silva

repressão política colonial, que focava os movimentos de libertação

já então organizados nas ex-colônias portuguesas. Juntamente com a

prisão das vozes então representativas desses movimentos, a Polícia

Internacional e de Defesa do Estado (Pide) instaurou um clima de

policiamento ideológico, reprimindo todas as manifestações favoráveis

aos movimentos libertários.

c) 3º período: 1964-1975. Fátima Mendonça (1988) reconhece, a

partir de 1964 (quando se inicia a campanha de libertação da Frente

de Libertação de Moçambique [Frelimo]), três linhas de força na

literatura moçambicana:

i. “A literatura produzida nas zonas libertadas e em que é visível o

reflexo directo da acção ideológica da Frelimo” (ibidem, p.40).

Essa literatura, na qual se sobressai a poesia de combate, fora

produzida dentro dos quadros da luta armada; sua intenção é a

militância política e o comprometimento social. Para Mendonça,

não se trata de uma literatura de menor “valor literário”, ou apenas de circunstância, visto que não se pode considerar a guerra

de libertação nacional como um evento circunstancial – ela, ao

contrário, é parte integrante da história da emergente nação

moçambicana.24

24 Tratar da poesia de combate implica sempre, até onde temos visto, um posicionamento político por parte da crítica. Não se pode dizer que se trata de uma

literatura esteticamente menor sem sofrer algum tipo de “represália”. Tomemos

um exemplo. Segundo nos informa João Pinto, do Jornal de Angola (2008), o

escritor angolano José Eduardo Agualusa declarou, em entrevista publicada no

semanário Angolense, em março de 2008, que Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, era um poeta medíocre e quem o tinha em conta de grande poeta

não conhecia nada de poesia. Esta afirmação foi recebida não como crítica literária,

mas como crítica política: “A escrita não pode servir para humilhar, banalizar,

diabolizar os ícones, heróis, mitos, deuses ou divindades”, afirmava João Pinto

no Jornal de Angola (2008). No mesmo periódico, Pires Laranjeira foi mais além:

“Agualusa saiu chamuscado e, depois, queixou-se de que, aproximando-se as eleições em Angola, se tratava de uma intimidação, sobretudo porque um universitário

angolano da área do Direito punha a hipótese (absurda, é verdade) de ele poder ser

responsabilizado criminalmente por atentar contra o nome de uma figura icónica do

Estado e da Nação. [...] Eu permito-me aqui uma “profecia” em relação a Agualusa: 

o rio e a casa 45

ii. “A literatura produzida nas cidades por intelectuais que, em geral, assumem posições ideológicas de distanciamento do poder

colonial” (ibidem, p.41). Nomes representativos desta vertente

são Orlando Mendes, Rui Knopfli, Glória de Sant’Anna, Jorge

Viegas, Sebastião Alba e outros. É nesse período que surge a

revista Caliban:

A própria simbologia do nome Caliban faz que possamos interpretar

a acção destes cadernos como uma tentativa consciente de adesão a um

espaço moçambicano representado emblematicamente pela imagem do

escravo que se apropria da língua do senhor.” (Mendonça, 1988, p.42)

Na Beira, cidade natal de Mia Couto, surge também, nessa época,

a revista Paralelo 20 – nela circulava uma literatura “em que a clivagem produzida pelos acontecimentos de 1964 apenas funciona exteriormente” (ibidem, p.42). O poeta e jornalista Fernando Couto, pai

de Mia Couto, juntamente com Nuno Bermudes, é uma das figuras

que dinamizavam a vida cultural na Beira, promovendo a divulgação

de autores moçambicanos por meio da criação das coleções “Poetas

de Moçambique” e “Prosadores de Moçambique”.

na história da literatura angolana, daqui a dois ou três séculos, continuará a constar,

em grande plano, a poesia de Agostinho Neto, como algo matricial e tutelar. E,

comparada com a obra de Neto, Pepetela, Luandino, Uanhenga, Maimona, Ruy

Duarte de Carvalho, Mena Abrantes ou Manuel Rui, a de Agualusa terá sempre

direito a três ou quatro parágrafos a menos ou, ainda, a uma referência breve na

história da literatura portuguesa. Creio que esse é o verdadeiro drama de Agualusa:

ser menos representativo do que se julga e apostar na raiva lusitana contra o MPLA

de Agostinho Neto, de que ele próprio é um dos ateadores [...]. Só para espíritos

cabotinos é que a poesia de Neto será medíocre. E as suas são frases típicas de um

cabotino, que o dicionário define do seguinte modo: ‘cómico ambulante […] pessoa

presumida e que gosta de ser o centro das atenções, ostentando, com modos teatrais,

qualidades que a maior parte das vezes não tem’” (Laranjeira, 2008). Embora haja

muitos estudos que abordam as literaturas africanas de língua portuguesa do ponto

de vista da estética, do artesanato de palavras, fatos como esse por vezes levam a

juízos sobre essas literaturas que fogem à natureza específica do texto literário.

46 ana cláudia da silva

iii. “A literatura produzida para afirmar a ideologia colonial na sua

expressão luso-tropicalista”25 (ibidem, p.43). Nesse conjunto,

encontram-se as publicações de Eduardo Paixão, Rodrigues

Júnior e Agostinho Caramelo; é para elas que se volta o crítico

Amândio César, “a fim de desenvolver a tese da existência de

uma literatura regionalmente moçambicana integrada na literatura portuguesa, como convinha ao luso-tropicalismo” (ibidem).

Para Mendonça, trata-se de um aposto à literatura colonial, com

preocupação exclusivamente estética, que veiculava ainda a ideologia colonial. Esta literatura não encontrará ecos na produção

literária posterior à Independência de Moçambique (aos 25 de

junho de 1975).

Fátima Mendonça (1988, p.44) encerra sua contribuição para o

periodismo literário de Moçambique lembrando que as novas gerações de escritores, nas quais se inclui Mia Couto, serão herdeiras “da

metáfora e da parataxe de Craveirinha, do verso seco e angustiado de

Knopfli, da negritude militante de Kalungano”.

Manoel de Souza e Silva

A tese de Manoel de Souza e Silva (1990), Do alheio ao próprio:

a poesia em Moçambique, não pretende propor uma periodização

da literatura moçambicana, visto que se restringe à produção poética. Ainda assim, ela constitui-se em excelente contribuição para

pensarmos essa literatura. Silva percorre a literatura moçambicana

desde a sua origem, apresentando-a sempre à luz do fato colonial em

Moçambique, que não pode absolutamente ser obnubilado, visto ser

25 O luso-tropicalismo é “uma teoria que assume a totalidade do fenómeno da colonização portuguesa nos trópicos como objecto de estudo, tentando racionalizar a

emergência de uma sociedade civil a partir de um aglomerado heterogéneo, plural

do ponto de vista étnico-cultural, mas condicionado por um poder económico

exterior e por uma afirmada específica concepção lusíada do mundo e da vida”

(Adriano Moreira, 2005, p.657). O pioneiro da teoria luso-tropicalista é o escritor

Gilberto Freyre, que a expressa no livro Casa grande e senzala, em 1933.

o rio e a casa 47

a obra literária produto e expressão de uma dada sociedade, num

dado momento da sua história.

Antes de propor a sua classificação dos períodos pelos quais passou

a poesia moçambicana, Silva menciona outras tentativas nesse sentido:

a de Frantz Fanon e a de Mário Pinto de Andrade.

Frantz Fanon (apud Silva, 1996, p.21-2) propõe três momentos

decisivos:

a) Assimilação – dos valores estéticos do colonizador.

b) Constatação – correspondente ao que se conhece pela designação genérica de negritude. Marcada pela lamúria e portadora de

um forte caráter catártico. Produção consentida e, até, estimulada

pelo colonizador.

c) Combate – A produção literária volta-se contra os valores colonizados e busca meios para resistir ao sufocamento cultural e político.

Mário Pinto de Andrade (apud Silva, 1996, p.22) constata também

três momentos:

a) Negritude – “entendida como negação da assimilação”, ou seja,

em que ocorre a superação do primeiro tópico da divisão proposta

por Fanon.

b) Particularização – “Os poemas precisam os contornos nacionais

e incidem mais profundamente no real social”.

c) Combate – “As balas começam a florir”, no dizer do poeta moçambicano Jorge Rebelo.

Silva (1996, p.22) faz notar que tanto a contribuição de Fanon

quanto a de Mário de Andrade enfatizam a produção literária na sua

relação com o sistema colonial. “De ambas pode-se depreender que a

maior consciência do colonizado, em seu enfrentamento com o colonizador, implica transformações da sua forma de perceber e expressar

através do objeto literário e/ou artístico”.

Silva apresenta também a tentativa de Orlando Mendes de estabelecer algumas etapas na constituição da poesia moçambicana:

a) Repressão cultural e resistência – Corresponde à literatura de

assimilação.

b) Nacionalismo e literatura – Corresponde aos anos 40 e 50.

c) Literatura de protesto – Ocupa-se dos anos 60 e 70.

48 ana cláudia da silva

d) Literatura de confrontação – Poesia produzida no meio urbano,

nos anos 70.

e) Literatura de ruptura – Corresponde à literatura de combate.

f) Literatura em liberdade – Produção pós-independência (1975).

(Mendes apud Silva, 1996, p.22).

Essa divisão, conforme aponta Silva (1996, p.23), não menciona

a negritude, “passando ao largo de algumas evidências”, tais como a

antologia Poesia negra de expressão portuguesa, organizada por Mário

de Andrade e Francisco José Tenreiro, em que comparecem alguns

poemas de Noémia de Souza que, pela temática, aproximam-se do

movimento da negritude.

A proposta de Silva é de que a poesia moçambicana divide-se em

cinco etapas fundamentais:

a) “O Eco Rebelde”. Busca dos nexos existentes entre o projeto de

ocupação colonial – ocupação física – e aquilo que se conhece como assimilacionismo e suas relações com a poesia produzida pelos colonizados.

b) “Negros de Todo o Mundo, o que é Isto?!” Rastreamento de

algumas coordenadas gerais do Movimento da Negritude, sua constituição e concretização nas ex-colônias portuguesas e, especificamente,

em Moçambique.

c) “A Pátria Parida”. Exame das contradições e da série de polêmicas que envolvem o conceito de literatura nacional no contexto da

colonização.

d) “Da Polana à Mafalala”. Tentativa de exame da formação/

consolidação da poesia moçambicana, tomando por base poetas – nem

sempre bafejados pela unanimidade – que concorrem para a afirmação

e independência, em nível literário, de Moçambique.

e) “O Troco da Troca”. Leitura da poesia produzida na situação

de guerra de guerrilha, tentando estabelecer sua vinculação com as

coordenadas políticas da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), com os mecanismos de expropriação dos meios de expressão do

colonizador e sua utilização contra a opressão colonial, sua rebeldia

radical na ruptura com a visão colonialista e, mais que tudo, procurando expor sua profunda ligação com o homem, a terra e a natureza

de Moçambique. (ibidem, p.24-5)

o rio e a casa 49

Silva procura integrar à leitura da poesia moçambicana as principais

questões históricas que conformaram a produção literária moçambicana: o assimilacionismo, a negritude, a discussão da nacionalidade

literária, o processo de independentização. Seu viés passa sempre pela

relação entre a poesia e a situação colonial – ou o fim dessa.

Pires Laranjeira

Pires Laranjeira (1995a; 2001) tem sido, talvez, o pesquisador que

mais se dedicou à tarefa de tentar apreender as literaturas africanas de

língua portuguesa em seus momentos decisivos (parafraseando Candido). Os resultados de suas reflexões nos é dado, respectivamente,

em dois momentos: em um capítulo de livro – o manual Literaturas

africanas de língua portuguesa, e num artigo publicado na Espanha, na

Revista de Filología Románica, intitulado “Mia Couto e a literaturas

africanas de língua portuguesa”.

Em sua proposta inicial de periodização da literatura moçambicana,

Pires Laranjeira (1995a) propõe uma divisão da historiografia literária

moçambicana em cinco períodos distintos: Incipiência, Prelúdio,

Formação, Desenvolvimento e Consolidação.

a) Incipiência. Apesar das observações de Pires Laranjeira estarem

em grande parte apoiadas nas reflexões de Fátima Mendonça, o autor

discorda dela no que se refere ao marco inicial da literatura moçambicana. Para Fátima Mendonça, como vimos, a obra inaugural da literatura

moçambicana seria O livro da dor, de João Albasini, publicada em 1925.

Laranjeira, entretanto, não chega a contrapor-se a ela em termos reais.

Dizemos isso porque é impossível identificar, afinal, qual é o ponto de

partida dessa literatura para Pires Laranjeira: seu texto inicia-se com

uma alusão ao aparecimento de Moçambique como tema num poema

épico do jesuíta João Nogueira (século XVII) e, depois, em poemas de

Tomás António Gonzaga que, exilado do Brasil em 1792 por sua implicação na Inconfidência Mineira, veio a falecer na Ilha de Moçambique

em 1819. Lembremos que Manuel Ferreira já havia aludido à presença

de Gonzaga na Ilha de Moçambique, sem que isso tivesse, contudo,

alguma relevância. Pires Laranjeira, porém, inclui essas manifestações 

50 ana cláudia da silva

no primeiro período literário por ele definido, que recebeu o nome de

Incipiência. Segundo o autor, esse período teria suas raízes no início da

permanência dos portugueses em Moçambique (lembramos que Vasco

da Gama aportara em Moçambique em 1497).

Ora, segundo Antonio Candido (1971, p.23), a existência de um

sistema literário pressupõe um conjunto de características que ultrapassam os dados internos da obra (língua, imagens, tema). É necessário

que se identifique um conjunto de autores conscientes do seu papel, um

conjunto de receptores (público) e um mecanismo transmissor (uma

linguagem comum). O fato, portanto, de ter Moçambique aparecido

como tema, seja na obra de João Nogueira, seja na de Tomás António

Gonzaga, a nosso ver, não significa que possamos recuar as considerações sobre a literatura moçambicana a ponto de incluir a obra desses

autores – não poderíamos considerá-las nem mesmo como manifestações literárias nacionais. Até mesmo porque a produção do último,

como se sabe, seguiu os padrões do movimento árcade europeu, que

lhe serviu de modelo ao compor as Liras.

Pires Laranjeira destaca, nesse período inicial, a produção oitocentista de Campos Oliveira (cujos escritos dispersos foram publicados

nos anos 60, 70 e 80) e também o surgimento de periódicos anteriores

a O Brado Africano (1918), única publicação da imprensa referida

por Pires Laranjeira. Lembramos, a respeito, a existência de várias

outras publicações que se iniciaram com a introdução do prelo em

Moçambique (1854), tais como o Boletim Oficial (1854) e o Almanach

de Lembranças (que circulou nas colônias portuguesas de 1851 a 1932),

que já então publicavam textos poéticos de autores moçambicanos.

b) Prelúdio. O segundo período delineado por Pires Laranjeira

denomina-se Prelúdio e inicia-se com a publicação, em 1925, de O

livro da dor, de João Albasini. Esse período estende-se até o fim da

Segunda Guerra Mundial (1945), incluindo a publicação dos poemas

de Rui de Noronha26 no jornal O Brado Africano, depois publicados

postumamente em recolha “duvidosa”27 na obra Sonetos (1946).

26 Surge ET ambula; Quenguelequêze.

27 Duvidosa por ser “incompleta e censoriamente truncada, [...] não faz juz à real

obra do poeta” (Laranjeira, 1995a, p.257).

o rio e a casa 51

Pires Laranjeira considera esses dois primeiros períodos como um

tempo de “preparação” para a posterior formação de uma literatura

que se poderia chamar efetivamente de moçambicana.

c) Formação. O terceiro período por ele delineado, de Formação,

vai de 1945/1948 (as fontes divergem) até 1963. “Pela primeira vez,

uma consciência grupal instala-se no seio dos (candidatos a) escritores,

tocados pelo Neo-realismo e, a partir dos anos 50, pela Negritude”

(Laranjeira, 1995a, p.260). Delicada e controversa, tal afirmação

traz-nos várias questões. Não nos parece que Noémia de Souza, José

Craveirinha, Rui Nogar, Rui Knopfli e Orlando Mendes, apontados

entre outros como autores significativos desse período, sejam um grupo

de “candidatos a escritores”.

Laranjeira aponta, ainda nesse período, o surgimento da primeira

antologia da poesia moçambicana, organizada, segundo ele, por Luís

Polanah e publicada em 1951 sob o título de Poesia em Moçambique. Em

observação de rodapé, Laranjeira notifica aos leitores que a organização

dessa antologia é por vezes atribuída a Orlando de Albuquerque e Vítor

Evaristo, que, segundo ele, teriam feito apenas a apresentação. No prefácio da Antologia da Nova Poesia Moçambicana, Fátima Mendonça e

Nélson Saúte (1994) apontam para a existência de duas antologias, tendo

sido a primeira realmente organizada por Orlando de Albuquerque e

Vítor Evaristo. Luís Polanah, segundo os autores, teria organizado outra

antologia, publicada em 1960, cujo título na capa é Poetas de Moçambique. A semelhança entre os títulos – Poesia em Moçambique e Poetas de

Moçambique – e o fato de terem sido ambas as antologias publicadas em

Lisboa e pela mesma casa editora – a Casa dos Estudantes do Império −

talvez tenham gerado a confusão a que se referia Pires Laranjeira.

d) Desenvolvimento. Esse quarto período apontado por Pires Laranjeira estender-se-ia do início da luta armada de libertação nacional

(1964) até a independência (1975), com uma produção de caráter

marcadamente político e revolucionário. Datariam desse período

algumas obras referenciais da literatura moçambicana, a saber: Nós

matamos o cão tinhoso!, de Luís Bernardo Honwana, publicada em

1964; Chigubo, de José Craveirinha, também de 1964; Portagem, de

Orlando Mendes, de 1966; a revista Caliban, em 1971 e, no mesmo 

52 ana cláudia da silva

ano, o primeiro volume da antologia Poesia de Combate, editado pela

Frelimo. Por fim, teríamos, em 1974, a publicação de Karingana ua

karingana, uma recolha de poemas de José Craveirinha.

e) Consolidação. Laranjeira aponta, por fim, um último período, que

seria o de Consolidação da literatura moçambicana. Esse corresponderia à

produção pós-independência e se encerraria em 1992, com a publicação

de Terra sonâmbula, de Mia Couto,28 o qual coincidiria com a abertura

política do regime. Autores representativos desse período seriam Rui

Nogar, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Hélder Muteia, Pedro

Chissano, Juvenal Bucuane e outros. Teria surgido, ainda nesse tempo, a

revista Charrua, com oito números publicados. A publicação de Raiz de

orvalho (Couto, 1983) e da revista Charrua, segundo Laranjeira, abriria

novas perspectivas para a literatura moçambicana, que culminariam

com o livro Vozes anoitecidas, de Mia Couto (1986).

A partir daí, estava instaurada uma aceitabilidade para a livre criatividade da palavra, a abordagem de temas tabus como o da convivência das

raças e mistura de culturas, por vezes parecendo antagónicas e carregadas de

disputas (indianos vs. negros ou brancos). (Laranjeira, 1995a, p.262)29

A primeira crítica que se faz à obra de Pires Laranjeira é que ele delimita períodos demasiadamente circunscritos, deixando de lado o fato

de que a criação literária ocorre dentro de um processo dinâmico. Para

28 Temos encontrado a referência a 1993 como sendo o ano da publicação de Terra

sonâmbula, em Lisboa, pela Editora Caminho, como o fazem Gomes & Cavacas

(1997); a primeira edição brasileira do romance, pela Nova Fronteira (1995), também

refere a edição de 1993 como sendo a princeps. Pires Laranjeira (1995a) e Maria

Fernanda Afonso (2004), porém, referem o ano de 1992. Ao investigarmos essa

questão, Francisco Noa (2009 [informação pessoal]) informou-nos que a primeira

edição é de 1992, mas o autor não sabia se o romance havia sido publicado nesse ano

pela Caminho ou pela Ndjira (editora associada à Caminho, em Maputo). Posteriormente, Jaime Ramalho (2009 [informação pessoal]), da Caminho, certificou-nos que

a primeira edição desse romance foi mesmo publicada em 1992, pela Caminho.

29 É curioso que Laranjeira aponte como antagônicas as relações entre indianos e

negros, indianos e brancos, mas não entre brancos e negros, que não só é a matriz

dos conflitos étnico-raciais, mas a principal temática abordada no que tange aos

conflitos dessa natureza.

o rio e a casa 53

além disso, entretanto, está o fato de que o autor minimiza, nesse texto,

o processo de colonização, deixando de considerar as ligações intrínsecas

entre a produção literária e a ocupação colonial do território moçambicano – que, como vimos, foram o fio condutor das reflexões de Manoel de

Souza e Silva (1996). Contudo, vale lembrar que a história da literatura

não coincide, necessariamente, com a história social de um país.

Esse trabalho de Pires Laranjeira tem o mérito de ser uma boa

tentativa de produzir algum material de cunho didático no âmbito das

literaturas africanas de língua portuguesa. De fato, como já apontamos,

seu texto é largamente difundido no Brasil30 e utilizado por estudiosos

que buscam uma primeira referência teórica sobre tais literaturas.

O próprio autor, contudo, já tem revisto esse material. Em conferência pronunciada na Universidade de São Paulo em 17 de setembro

de 1997, Pires Laranjeira anunciava uma nova periodização para as

literaturas africanas, na qual constariam as seguintes fases: Romantismo, Negro-realismo, Nativismo, Folclorismo, Regionalismo, Casticismo,

Resistência e Contemporaneidade [informação verbal].31Nessa ocasião,

aliás, Laranjeira causou espécie ao declarar que a verdadeira literatura

africana estaria ainda por nascer, visto ser a grande maioria dos autores

de raça branca; o estudioso afirmara, também, que autores como Luandino Vieira, Pepetela e Mia Couto fariam uma obra portentosa para

justificarem seu papel de brancos numa sociedade majoritariamente

negra. Entendemos que essas afirmações não se sustentam; passados

mais de dez anos dessa declaração, vemos que esses autores têm hoje

uma obra consolidada, de qualidade literária indiscutível, a qual não

tem relação alguma com o fato de serem eles escritores “brancos”; todos

eles, aliás, admitem que a mistura de raças e culturas é uma marca forte

de identidade para os cidadãos africanos.

30 Essa é a impressão que tivemos ao depararmo-nos com a obra de Pires Laranjeira

nos acervos de algumas universidades afastadas dos grandes centros do Brasil;

neles a obra do autor é a única referência sobre o conjunto das literaturas africanas

de língua portuguesa.

31 Informações documentadas em anotações pessoais da referida conferência, que

podem ser conferidas no vídeo do evento, que integra o acervo do Centro de Estudos

Portugueses da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

54 ana cláudia da silva

Em artigo de 2001, Pires Laranjeira realizou seu intento de 1997,

revendo e particularizando os resultados do trabalho de 1995(a). Laranjeira, assim como outros teóricos vêm fazendo (Noa, 2009 [informação

verbal]),32 sustenta que há dois momentos marcantes nas literaturas

africanas de língua portuguesa:

Podemos estabelecer duas épocas fundamentais: a Época Colonial,

desde o aparecimento de esparsos e escassos textos, antes de 1849, não

necessariamente literários nem africanos, mas relacionados com África,

até às independências dos países, em 1975; a Época Pós-colonial, em que

a literatura se vai libertando da lei da vida colonial, para se assumir como

decisivamente emancipada, desde as independências, até à actualidade.

(Laranjeira, 2001, p.185)

Mesmo reconhecendo a prevalência de duas épocas fundamentais,

Laranjeira refaz o percurso historiográfico anteriormente traçado, na

obra de 1995(a), tomando a literatura angolana como paradigma para

se pensar o conjunto das literaturas de língua portuguesa na África:

Consideremos a literatura angolana corno paradigmática, isto é,

como um modelo de irradiação a partir do qual podemos estabelecer fases

aplicáveis às outras, evidentemente de um modo não mecânico, tendo

em atenção que cada urna tem o seu percurso específico, se bem que no

contexto colonial de domínio português, interessando delimitar os contornos comuns que, textual e contextualmente, as explicam e aproximam,

tanto como das literaturas portuguesa e brasileira, mais do que de outras.

(Laranjeira, 2001, p.186)

Feita essa premissa, o autor identificará, nesse seu mais recente

trabalho, seis fases no desenvolvimento das literaturas africanas de

colonização portuguesa:

32 Observação do Prof. Dr. Francisco Noa durante nosso Exame de Qualificação,

ocorrido em 12 de março de 2009 nas dependências da Faculdade de Ciências e

Letras da Unesp – campus de Araraquara, do qual participou como arguidor.

o rio e a casa 55

a) Baixo-romantismo: é uma fase que se estende, em Angola, até

1881, precedendo a publicação da novela Nga mutúri, de Alfredo

Troni. Nessa época, as manifestações literárias reproduziam elementos

de gosto exógeno, advindos da tradição lusitana; elementos africanos

surgem apenas na configuração dos espaços, da paisagem, desconectados da realidade social, histórica ou política do continente. Laranjeira

não aponta, nesta fase, nenhuma produção moçambicana.

b) Negro-realismo: Sob a influência do realismo português, as

literaturas de Angola e Cabo Verde apresentam o negro como uma

personagem que aspira à integração na sociedade, a qual não se realiza

completamente devido ao seu complexo de inferioridade:

Alfredo Troni e Cordeiro da Matta, em Angola, Costa Alegre, em São

Tomé e Príncipe, ou Campos Oliveira, em Moçambique, representam essa

faceta de referir a cor da pele com preconceito, ou, então, sem a assumir descomplexadamente, mesmo que se verifique uma aculturação que, em princípio, conduziria a uma hipotética integração plena. (Laranjeira, 2001, p.187)

O autor identifica na estética dessa fase elementos estilísticos herdados do parnasianismo, do simbolismo e do decadentismo europeus.

Vale observar, nessa citação, que considerar a aculturação como princípio, ainda que hipotético, de integração do negro na sociedade colonial é

algo impensável para os críticos africanos; é talvez por esse viés ideológico

que o modo de Pires Laranjeira pensar as literaturas africanas de língua

portuguesa encontra tantos entraves entre os intelectuais africanos, que

não raro veem com suspeitas suas contribuições. A despeito disso, queremos, ainda, valer-nos delas, pois, dentre os autores que tratam mais

sistematicamente da historiografia literária moçambicana, Laranjeira é

o único que inclui a produção mais madura de Mia Couto.

c) Regionalismo africano: Inicia-se com a publicação, em 1901, de

Voz d’Angola, que reunia contribuições de intelectuais angolanos em

resposta a um artigo colonialista de jornal. Essa publicação

abriu uma frente de reivindicação da igualdade e fraternidade, precursora

dos direitos humanos, definível como nativismo (inicio do Regionalis-

56 ana cláudia da silva

mo), quer dizer, de uma postura decisivamente consciente de anseios

autonomistas, reagindo às guerras de ocupação movidas pela potência

colonizadora. (Laranjeira, 2001, p.188)

Laranjeira identifica dois modos de regionalismo nessa fase: o

nativismo e o tipicismo. O primeiro consistiria numa sutil insurgência

contra a metrópole e caracterizar-se-ia por um

autonomismo supra-classista, com origem nos ideais republicanos, maçônicos, logo se associando a um pan-africanismo moderado, permitindo

aceder, por essa mistura subversiva, à modernidade possível, vazada num

conservadorismo formal e retórico. (ibidem)

Essa insurgência teria sido abafada em 1925, pelo golpe que impôs

a Portugal e suas antigas colônias o Estado Novo – regime ditatorial

chefiado por Salazar.

Assim, entre 1926 e 1941, as literaturas africanas de língua portuguesa deram lugar ao tipicismo, desenvolvido em duas frentes: o

folclorista e costumbrista e o localista e regionalista. O primeiro reúne

poemas que procuravam reconstituir, de forma hiperidealizada, a

vida cultural urbana ou rural; nele, o exotismo fluirá dentro de uma

“estética da evasão”; trata-se, segundo Laranjeira (2001, p.189), de

uma literatura ideologicamente colonialista. O segundo, por sua vez,

tende à integração continental; poder-se-ia falar, segundo Laranjeira,

numa africanidade não manifesta, numa “personalidade africana”

politicamente protonacionalista.

d) Casticismo (1942-1960): Aqui, a literatura demonstraria um

aprofundamento da opção anticolonial, como “ética social” fundamentada na história e na cultura dos povos. Esta fase pode ser

definida como “a procura permanente da herança dos povos, da sua

intra-história, profunda, imperecível, dialéctica, criadora e transformadora...” (Laranjeira, 2001, p.189). Inicialmente, segundo o autor,

esse casticismo teria tomado a forma de um sociorrealismo (termo

cunhado por Laranjeira), associado ao neorrealismo português e ao

surgimento do modernismo e do romance social no Brasil. Marcado 

o rio e a casa 57

pela Negritude – categoria mais particularizante que a de colonizados

– essa fase focaliza, segundo o autor,

as classes e o mundo do trabalho, da produção de riquezas coloniais (com

seus contratados, serviçais, agricultores, operários, mas também pastores,

além de grupos restritos e outros, marginais), através de processos discursivos virados para a sugestão de concretude social e quotidiana, em que o

pormenor, a notação descritiva, tem grande relevo. (Laranjeira, 2001, p.190)

Em Moçambique, Laranjeira identifica, nessa fase, a obra de José

Craveirinha e Noémia de Sousa.

e) Resistência (1961-1974): Com o início da luta armada de libertação

nacional, primeiramente em Angola e depois nos outros países africanos

de colonização portuguesa, surge uma literatura “não de todo circunstancial”, na expressão de Pires Laranjeira (2001, p.190), mas bastante

ligada à temática da guerrilha. Essas produções, segundo o pesquisador,

foram feitas tanto por homens letrados como por outros de menor nível

de escolarização. Sua orientação ideológica seria anti-imperialista e

nacionalista, como convinha ao momento, e, muitas vezes, panfletária.

Laranjeira lembra que o nacionalismo surgiu antes nas letras do que na

política. Representantes dessa fase, em Moçambique, são José Craveirinha, Sérgio Vieira, Jorge Rebelo, Luís Bernardo Honwana e Sebastião

Alba. Vale notar, lembra Laranjeira, que alguns escritores conseguiram

publicar, nesta fase, textos com algum anseio revolucionário, sob a

aparência de lirismo amoroso ou telúrico, driblando, assim, a censura

implacável que se impôs no final do regime ditatorial português.

f) Contemporaneidade (1975-1998): A independência das nações

africanas de língua portuguesa marcou a literatura com um forte caráter

de patriotismo a que Laranjeira chama de “estética do orgulho pátrio”

(Laranjeira, 2001, p.192). Seus representantes, em Moçambique, são

Rui Nogar e Lina Magaia. Esse momento inicial perduraria, segundo

o autor, por cerca de dez anos:

A superação dos traumas políticos, ideológicos e literários tornouse possível somente após a primeira década de independência política 

58 ana cláudia da silva

(recorde-se a questão, empolada ou não, com ou sem adequação teórica,

da subserviência das literaturas africanas perante modelos alienígenas,

europeus ou não. (ibidem)

Essa observação alude à discussão sobre o nacionalismo literário:

o que seria, no que diz respeito ao nosso trabalho, uma literatura moçambicana? Ela diferiria da europeia apenas na temática ou também

na forma?

Entre os anos de 1986 e 1996, Laranjeira identifica outro movimento, que ele identifica como pós-colonialidade estética, em que o

estigma colonial é superado. Nela, várias correntes estéticas encontram

espaço (neossimbolismo, neoconcretismo, neossurrealismo etc.). O

autor aventa a hipótese de que esses ecos “são também estilhaços

de uma propensão estética advinda do natural multiculturalismo

de base étnica dessas novas nações e sociedades” (ibidem). Autores

como Mia Couto, Eduardo White, Luís Carlos Patraquim e Nelson

Saúte, de Moçambique, procuram “exorcizar os fantasmas e medos

de cruentas guerras e ameaças de perda de independência, para [...]

partir em busca de discursos originalíssimos no contexto dessas literaturas” (ibidem).

Para Laranjeira (2001, p.193), o início do século XXI surpreende, nas literaturas africanas de língua portuguesa, uma revisitação

literária de antigos mitos, sonhos e utopias, marcando a narrativa,

principalmente, com o tom da perplexidade e da incerteza contemporâneas, como se observa na obra de Mia Couto (Moçambique);

José Eduardo Agualusa e Pepetela (Angola) e Germano de Almeida

(Cabo Verde). Este, segundo Laranjeira, será um novo capítulo na

história dessas literaturas.

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