Diagnóstico diferencial
Em medicina, diagnóstico diferencial é um método sistemático usado para identificar doenças. É feito, essencialmente, por processo de eliminação. Nem todo diagnóstico médico é diferencial.
O diagnóstico diferencial pode ser definido como uma hipótese formulada
pelo médico - tendo como base a sintomatologia (sinais e sintomas) apresentada
pelo paciente durante o exame clínico - segundo a qual ele restringe o seu
diagnóstico a um grupo de possibilidades que, dadas as suas semelhanças com o
quadro clínico em questão, não podem deixar de ser elencadas como provável. A
partir do diagnóstico diferencial, o médico pode selecionar testes
terapêuticos, ou ainda, exames complementares específicos a fim de se obter um
diagnóstico final ou de certeza.
O termo diagnóstico diferencial apresenta mais de
um significado dentro da medicina. Em primeiro lugar, ele pode se referir a um
diagnóstico diferente do habitual ou usual, isto é, a determinação de uma
doença diversa daquela que normalmente é encontrada mediante certo conjunto de
sintomas. Por outro lado, o termo também pode dizer respeito aos diferentes
métodos utilizados por um profissional de saúde no estabelecimento de um
diagnóstico. Nestes casos, a obtenção de um diagnóstico diferencial designa a
realização de exames clínicos e laboratoriais aprofundados que possibilitem a
um médico confirmar qual condição está afetando seu paciente e, a partir daí,
definir o tratamento mais adequado para ele.
Critério de diagnóstico diferencial referente a queixa
psíquicas e doenças orgânicas
O
diagnóstico diferencial dos transtornos depressivos deve ser realizado em
relação a outras condições clínicas e psiquiátricas. Há várias doenças clínicas
que podem se apresentar com sintomas psiquiátricos, sendo as mais comuns, o
hipotireoidismo, a síndrome de Cushing, a síndrome de Addison, o diabetes
melito, a AIDS, a anemia, os acidentes vasculares cerebrais e as epilepsias de
lobo temporal e outras. Medicamentos como betabloqueadores e outros
anti-hipertensivos, corticosteróides, anticoncepcionais orais e quimioterápicos
também podem induzir efeitos colaterais que se confundem com sintomas
depressivos.
Dentre os
transtornos psiquiátricos, os transtornos de ansiedade, obsessivo-compulsivo,
de personalidade e somatoformes podem se manifestar por meio de sintomas
depressivos, tornando o diagnóstico diferencial difícil e muitas vezes exigindo
a avaliação de um psiquiatra.
Ainda,
cabe ressaltar que o principal diagnóstico diferencial da depressão unipolar é
a depressão bipolar, ou seja, um episódio depressivo atual em um paciente que
já tenha apresentado ou possa vir a apresentar episódios de mania ou hipomania.
De fato, estudos de seguimento mostraram que cerca de um terço dos pacientes
bipolares em episódio depressivo foram erroneamente diagnosticados como
deprimidos unipolares e que pacientes bipolares procuram consulta médica cinco
vezes mais quando estão deprimidos do que quando estão em mania ou hipomania.
Um diagnóstico incorreto pode fazer com a que a depressão se torne crônica,
havendo piora dos sintomas e aumentando o risco de hospitalização e suicídio.
Para realizar o diagnóstico diferencial, o clínico deve procurar indícios de
bipolaridade. Além de, obviamente, questionar quanto a episódios prévios de
mania ou hipomania, existem outros indícios que podem sugerir uma depressão
bipolar, sendo os mais importantes a presença de antecedentes familiares de
Transtornos Afetivos Bipolares e de “virada hipomaníaca” (ou seja, a
apresentação de sintomas de mania ou hipomania após o uso prévio de
antidepressivo).
Transtornos
Somatoformes
É um grupo de doenças que tem sinais e sintomas corporais
como o principal componente. As queixas dos pacientes com transtornos
somatoformes não são provocadas intencionalmente e causam grande sofrimento.
Embora o exame físico e os exames complementares não forneçam dados
significativos para justificar as queixas, os portadores desses transtornos
estão convencidos de que seu sofrimento vem de algum distúrbio corporal
não-detectado e nãotratado.
Conforme a DSM-IV-TR, há cinco tipos de transtornos
somatoformes específicos: Transtorno de Somatização, Transtorno Conversivo,
Hipocondria, Transtorno Dismórfico Corporal e Transtorno Doloroso. Abordaremos
brevemente as principais características de cada transtorno, com ênfase nos
aspectos mais importantes para o diagnóstico diferencial.
Transtornos
de Ansiedade
Grupo muito comum de doenças psiquiátricas, com prevalência
na população geral de uma para cada quatro pessoas, 4 e que se desenvolvem, em
geral, antes dos 35 anos de idade. Esses transtornos podem ser acompanhados de
diversos sintomas somáticos, como palpitações, sudorese, náuseas, cefaleia, dor
abdominal, diarreia, taquicardia e dilatação das pupilas, mas também têm outro
componente importante, que é a percepção do estar nervoso ou assustado. Esse
dado pode auxiliar no diagnóstico diferencial, mas com frequência transtornos
de ansiedade coexistem com outros transtornos psiquiátricos.
Ataques de pânico são manifestações presentes em diversos
transtornos de ansiedade, não apenas do transtorno de pânico. Manifestam-se
como crises agudas, sob a forma de sintomas somáticos, como palpitações,
taquicardia, dor torácica, sudorese, tremores, dispneia, náusea, tontura e
parestesia, associados ao medo de morrer ou de enlouquecer. O pico dos sintomas
ocorre dentro de 10 minutos. Nos ataques do transtorno de pânico, não há um
fator desencadeante e os sintomas se desenvolvem inesperadamente.
Transtornos
Depressivos
Somatização ocorre com frequência em pacientes com humor
depressivo, como Transtorno Depressivo Maior, Transtorno do Humor Bipolar e
Distimia, e esses diagnósticos devem ser considerados na presença de queixas
recorrentes, especialmente em idosos, nos quais o quadro depressivo
manifesta-se mais frequentemente através de sintomas somáticos. Tristeza, choro
fácil e perda de interesse ou de prazer são aspectos fundamentais para o
diagnóstico. Muitos pacientes têm perda de apetite e de peso, quase todos (97%)
referem diminuição da energia, 80% referem dificuldades com o sono e ansiedade
é um sintoma presente em 90% dos pacientes. Podem ocorrer anormalidades no
ciclo menstrual, diminuição da libido e do desempenho sexual. Cerca de 50% relatam
uma variação diurna dos sintomas, com piora pela manhã (Kaplan, 2007).
Transtorno
Factício
Distúrbio em que os pacientes produzem intencionalmente
sinais de doenças médicas ou de transtornos mentais. Apesar do comportamento
deliberado, a motivação, que é de assumir o papel de enfermo, pode ser
inconsciente. O transtorno factício se situa num continuum entre os transtornos
somatoformes e a simulação. Não há incentivos externos, como benefícios legais,
financeiros ou de melhora do bem-estar físico, o que diferencia os transtornos
factícios da simulação. Parecem ocorrer mais em funcionários de hospitais e
profissionais da área da saúde e, segundo o DSM-IV-TR, esses transtornos são
diagnosticados em 1% dos pacientes atendidos em consultas psiquiátricas em hospitais
gerais.
A Síndrome de
Munchausen é a forma mais extrema dos transtornos factícios e ocorre em um
subgrupo de pacientes que provocam sintomas, vão a mais de um hospital e se
submetem a procedimentos repetidos, para tratar manifestações que eles próprios
produziram.
Para o diagnóstico, é fundamental uma anamnese cuidadosa,
que provavelmente mostrará lacunas na história da doença e terá dados
contraditórios. É importante confirmar as informações a respeito de doenças
prévias e tratamentos realizados. Consultar amigos e familiares do paciente
pode auxiliar a revelar a natureza falsa da doença.
Simulação
de Doença
Dentre todos os diagnósticos diferenciais abordados neste
capítulo, a simulação de doença é o único caso em que há intencionalidade de
provocar os sinais e sintomas e esta é deliberada, com um objetivo bastante
claro. A motivação dos indivíduos não é assumir o papel de enfermo, mas sim uma
motivação externa, para obter algum ganho secundário, como evitar trabalhar,
receber alimentação gratuita ou até evitar alguma questão judicial. Devemos
suspeitar de simulação de doença quando houver uma combinação de quaisquer dos
seguintes aspectos: contexto médico-legal, discrepância importante entre as
queixas do paciente e os sinais objetivos, pouca colaboração do paciente com o
diagnóstico ou o tratamento e traços antissociais de personalidade.
Abordagem
do Paciente
A equipe médica que atende em serviços de emergência ou de
atendimento primário deve conhecer as causas de somatização e compreender que
as queixas podem ser expressões emocionais, bem como podem representar doenças
físicas reais. Por isso, é fundamental educar a equipe médica sobre os
distúrbios citados acima, a fim de evitar sentimentos de raiva ou frustração e
evitar desprezar as queixas do paciente. O médico deve realizar exame físico
direcionado para as queixas e avaliar criteriosamente a necessidade de exames
complementares, evitando procedimentos diagnósticos desnecessários, mas também
evitando que alguma doença deixe de ser ~ diagnosticada. No caso dos
transtornos somatoformes, de ansiedade e nos casos de humor depressivo, os
sintomas não são produzidos intencionalmente, o que pode tornar mais fácil para
o médico ser empático. Nos casos dos transtornos factícios, há intencionalidade
na criação dos sinais e sintomas, mas esta não é deliberada. O manejo consiste
em tratar as condições auto-induzidas, se necessário; proteger o paciente de
induzir novos sintomas; e evitar procedimentos desnecessários. 6 O ideal seria
vincular o paciente com queixas recorrentes a um único médico como cuidador
principal e a um único hospital como referência. A avaliação de um psiquiatra é
recomendada e, se identificado outro distúrbio psiquiátrico subjacente, este
deve ser tratado.
Segundo Kaplan (2007) para os casos de simulação deliberada, há controvérsias quanto ao manejo, (Lipsitt, 2008) no entanto, a equipe médica deve prestar atendimento ao indivíduo, evitando que os sintomas provocados acarretem mais danos à integridade do paciente e evitando riscos a outros pacientes e aos profissionais de saúde envolvidos no caso.
Conclusão
Existe uma série de fatores necessários prévios à emissão de um
diagnóstico diferencial. Em primeiro lugar, o processo não é unilateral, então
requer sensibilidade e responsabilidade de ambas as partes: profissional e
paciente.
O médico deve ter grande técnica clínica, a qual é formada
pelo conjunto de experiência médica e capacidade cognitiva.
Para que as hipóteses sejam válidas, estas devem ter
consistência lógica e fundamentação científica, além de haver a
possibilidade de serem diferenciadas experimentalmente. No processo de geração
e refutação de hipóteses, persiste a que, sob avaliação crítica, se considera a
mais possível. Esta ação é a característica fundamental do diagnóstico
diferencial e acontece durante todo o ato médico.
As síndromes demenciais são caracterizadas pela presença de deficit
progressivo na função cognitiva, com maior ênfase na perda de memória, e
interferência nas atividades sociais e ocupacionais. O diagnóstico diferencial
deve, primeiramente, identificar os quadros potencialmente reversíveis, de
etiologias diversas, tais como alterações metabólicas, intoxicações, infecções,
deficiências nutricionais etc. Nas demências degenerativas primárias e nas
formas seqüelares, o diagnóstico etiológico carrega implicações terapêuticas e
prognósticas.
Para concluir, é importante ressaltar que indivíduos com queixas
recorrentes muitas vezes estão comunicando um sofrimento intrapsíquico através
dos seus sintomas. O paciente não deve ser confrontado ou julgado, mas deve ser
atendido de forma empática, pois é um paciente legítimo, mesmo que não haja
doença física causando os sintomas.
Bibliografia
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Diferencial». Consultado em 23 de agosto de 2009
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[dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo;
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7. Lipsitt DR. Factitious disorder and
Munchausen syndrome. In www.uptodate.com. Online 20.8; 2012 mar [updated 2012
ago 15].[11 p.][acesso 2012 maio 02].