O Norte e a Companhia do Niassa
O Norte de Moçambique foi explorado por uma companhia privilegiada, a Companhia do Niassa, que abarcava os actuais distritos de Cabo Delgado e Niassa.
A
Companhia do Niassa foi a segunda companhia majestática, com privilégios de
ocupação, administração e exploração da área ocupada, explorando 25% do
território moçambicano, no extremo norte, desde 1891. Compreendia toda a área
entre os rios Rovuma, a Norte, e o Lúrio, a Sul, o oceano Índico, a Este, e o
lago Niassa, a Oeste.
A Companhia do Niassa
ocupava extensas áreas territoriais concedidas pelo Estado português, porém,
não tinha capitais para investir e gerir toda essa extensão de terra. Para tal,
a companhia montou uma «máquina» composta por cipaios e administradores. Os privilégios foram concedidos pelo
governo português por um período de 35 anos, em reconhecimento do papel que os
mentores da companhia tiveram na vitória sobre os Macondes.
Na realidade, a companhia só
se instalou em 1894. Obrigava os camponeses a cultivarem milho, arroz,
ameixoeira, gergelim, feijão, mandioca, café, goma, copal, urzela e cera, que
levava depois para o Sul de Moçambique e para Zanzibar. Obrigava ainda os
camponeses a entregarem a companhia marfim, pau-preto e borracha que tivessem
na sua posse. Pode dizer-se que a companhia criou o cultivo de culturas
obrigatórias e o pagamento do mussoco.
Por não ter capacidade
financeira, esta companhia passava de accionista para acionista, tendo sido
comprada por capitais franceses e ingleses. De 1897 a 1913, a companhia
pertenceu ao grupo Ibo Syndicate, em 1899, ao Ibo Investirnent, e de 1909 a
1913 ao Niassa Consolidated, a quem um consórcio bancário alemão, com vista a
cumprir o projecto alemão de aquisição do Norte de Moçambique (Projecto que não
foi bem visto pelos Portugueses), adquiriu as acções.
Os direitos desta companhia
eram a cobrança do imposto de palhota, a exportação de mão-de-obra barata para
as minas da África do Sul (ate 1912), a utilização do trabalho forçado para as
machambas, o monopólio das taxas aduaneiras de importação e exportação de
produtos e o comércio de armas.
O sistema de organização de
grandes companhias é o único que presentemente pode ser aplicado com vantagens
aos nossos domínios ultra marinos. Este tipo de concessões originou grande
controvérsia dentro do círculo governamental português, tendo sido oficialmente
rejeitado pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1890.
Às companhias majestáticas
foi-lhes dado direitos soberanos: de administração, direito de lançar, colectar
e gastar impostos portuários, de propriedade, de serviços, de saúde, de palhota
e capitação, direitos alfandega rios, de ter um serviço postal, direito de
aluguer de subconcessões, de construir infra-estruturas de transporte
(caminhos-de-ferro) direitos de passar licenças comerciais, de possuir forças
militares e policiais, etc.
Com todos estes poderes elas
tornaram-se realmente verdadeiros estados dentro do Estado.
Amélia Neves de Souto,
Guia Bibliográfico, p. 160
A
companhia majestática de Niassa obteve a sua carta de exploração em Setembro de
1891, por um prazo de 25 anos. Anos mais tarde, esse prazo foi estendido a 35
anos.
Os Grupos Financeiros
O papel dos grupos
financeiros em Moçambique
Durante 38 anos (de 1891 a 1929), a Companhia do Niassa
esteve nas mãos de vários grupos financeiros, O Estado de Portugal concessionou
a sua exploração económica e a promoção da ocupação aos seguintes grupos
capitalistas: um grupo de capital português; um grupo de capitais franceses e
ingleses; o Ibo Syndicate; o Ibo lnvestmentTrust; o Nyassa Consolidated; um
consórcio alemão; um grupo de capital inglês.
Mas qual foi o desempenho destas estruturas
económico-financeiras na zona de Niassa e Cabo Delgado?
Em 38 anos, a administração da companhia mudou sete vezes de
mãos e, consequentemente, de estratégia económica e social. A constante
troca/venda das acções da companhia entre os capitalistas ocasionou focos de
instabilidade entre os povos dominantes e os dominados. Nunca houve um
pensamento estratégico a longo prazo para a zona ocupada pela companhia. A
instabilidade governativa existiu desde a da sua criação.
Os grupos financeiros desempenharam o papel de ocupadores à
força da terra cedida. Os confrontos com os reinos locais foram severos.
A par de terem ocupado à força as terras do Niassa e Cabo
Delgado, os grupos financeiros desestruturam as sociedades locais.
Muitos reinos desapareceram e outros milhares de habitantes
fugiram para terras fora da alçada dos invasores.
A acção repressiva dos
grupos financeiros levou ao despovoamento do Norte de Moçambique.
Se antes de 1919 cerca de
100 mii pessoas tinham fugido para a Niassalândia, calcula-se que entre 1920 e
1930, como reacção à bruta! Política repressiva da Companhia do Niassa, mais de
300 mil moçambicanos terão emigrado em grupos familiares para o vizinho
Tanganica e para a Niassalân dia.
História de Moçambique, vol.
I, p. 238
A exportação de mão-de-obra para o Sul protagonizou um
abandono do trabalho no campo. Os moçambicanos não tinham tempo nem mão-de-obra
para plantar as suas terras, quer para produzir produtos para vender quer para
subsistirem. Quando a subsistência das populações foi posta em causa começou a
haver fome. A fome foi durante décadas um problema endémico das províncias do
Niassa e de Cabo Delgado.
De um modo geral, o desempenho dos grupos financeiros foi
fraco, até mesmo medíocre. Nunca houve um pensamento concertado da exploração
económica do território, houve bastante emigração para zonas limítrofes, fomes
e violência na ocupação dos territórios.
·
Custear as despesas das missões, escolas primárias e de artes
e ofícios;
·
Receber nos primeiros cinco anos, mil familiares do reino
enviados pelo governo, fornecendo lhes alojamento, alfaias e sementes;
·
Ansiosa e preocupada em obter lucros, centrou a sua atenção
nos diversos sectores de actividades, sobre tudo no incremento da produção
camponesa e no trabalho migratório, para além do imposto cobrado aos nativos.
A Forma de Exploração dos Grupos Financeiros
Na sua fase inicial a companhia
expressou-se publicamente como defensora do desenvolvimento da economia da
região, mas a sua influência não se espalhou mais do que alguns pontos isolados
da costa. O acontecimento mais importante foi a introdução do imposto de
palhota em 1898. A partir de 1909 a Companhia passou a ser fornecedora de força
de trabalho migrante, com a exportação de mão-de-obra para as minas
sul-africanas, entre outros destinos. Entre 1919 a 1929, a Companhia depois de
ter mudado de gestores virou-se para o aumento do nível de cobrança do imposto
de palhota como forma de aumentar os seus rendimentos, expandindo e
intensificando os abusos que sempre cometera.
Ao longo das quatro fases da companhia,
a exploração não foi nem profícua para os accionistas nem para os seus
habitantes. Pelo contrário. Em três décadas, a companhia acumulou prejuízos
financeiros e sociais. A época em que teve resultados mais positivos foi quando
exportou mão-de-obra, mas isso durou pouco tempo. Com uma forte carga fiscal
sobre os habitantes, muitos emigraram, abandonando as terras ao abandono e
deixando de contribuir com o imposto da palhota, revelando-se estas algumas das
consequências de uma exploração económica mal dirigida.
As principais formas de exploração
económica da companhia eram: a cobrança do imposto da palhota; a emissão de
selos; o monopólio de taxas aduaneiras e alfandegárias; o comércio de armas de
fogo; a exportação de esponjas, corais, pérolas e âmbar; a utilização do
imposto do mussoco pago em trabalho efectivo; o uso de milhares de homens para
efectuarem transportes de longa distância; a exportação de mão-de-obra para as
minas da África do Sul.
Os principais mercados dos produtos de
exportação eram Zanzibar, França e Holanda.
O imposto da palhota era um imposto,
geralmente, cobrado em géneros para exportação (borracha, café, goma, cera e
marfim); em 1926, mais de metade das exportações provinha de produtos pagos
pelo imposto da palhota. A punição pelo não pagamento deste imposto era queimar
a palhota do infractor.
O Declínio ou Decadência da Companhia do Niassa
As terras da companhia eram, de todo o
Moçambique, as menos promissoras para a agricultura. E a área não estava
estratégica mente posicionada de modo a captar o capital estrangeiro
necessário. Os Yao, os Macua e os Maconde, na altura da sua constituição, viviam
fora da sua influência directa e sempre resistiram à penetração da companhia.
As expedições militares para conter estes povos eram constantes e também
dispendiosas.
A adopção da política de cobranças
compulsiva do imposto da palhota conduziu ao despovoamento. Por volta de 1922,
a fuga para a Niassalândia foi complementada com fuga de grupos de Yao e Macua
para o Tanganica, em resposta à nova política de impostos. Sem gente e sem
dinheiro, a companhia estava votada ao fracasso.
Em 1929, Salazar não renovou a
concessão e extinguiu a companhia.
Conclusão
Neste
presente trabalho, concluiu-se que quando a Companhia do Niassa tomou posse do
território, a zona não estava militarmente dominada. A ocupação militar
iniciou-se em 1899, apoiada por um corpo expedicionário do Estado.
A
Companhia cobrava impostos; exportava mão-de-obra compulsivamente, destinada às
minas da África do Sul, às minas de cobre de Congo e para algumas Companhias da
baixa Zambézia; utilizou trabalho forçado para as quintas dos administradores e
dos capatazes da Companhia, muitas vezes gratuitamente e para o transporte de
mercadorias; detinha o monopólio das taxas aduaneiras de importação e
exportação, comércio, do fabrico e da venda de bebidas alcoólicas, da
exportação de esponjas, corais, pérolas e âmbar da costa e ilhas situadas na
área da sua influência; exportava produtos das colheitas dos camponeses:
borracha, café e pau-preto. Em 1913-1914, um consórcio bancário alemão,
adquiriu a maioria das acções da Companhia do Niassa para, eventualmente,
apoiar a ocupação alemã do Tanganyika (colónia que manteve até o fim da
primeira guerra mundial) ao interior norte de Moçambique.