A Constituição de 1990 e a Adopção do Multipartidarismo
A primeira Constituição de Moçambique surgiu na sequência do termo da luta de libertação nacional e a assinatura dos Acordos de Lusaka entre a Frelimo e o Governo português e data de 1974.
A primeira Constituição de Moçambique
foi aprovada na reunião da Praia de Tofo, em Inhambane, 1974. A mesma
preconizava a criação de um Estado de opção socialista e de uma economia
centralizada.
Considerações de Ussumane Aly Daúto, ex-ministro da
Justiça de Moçambique, sobre a primeira Constituição do país.
A constituição então
proclamada [a de 1974] consagrou o papel determinante da Frelimo como legítimo
representante do povo moçambicano.
Sob a sua direcção
iniciou-se o processo exaltante de exercício do poder assente na expressão da
vontade popular.
O Estado que criámos possibilitou
ao povo moçambicano o aprofundamento da democracia e, pela primeira vez na sua
história, o exercício do poder político e a organização e direcção da vida
económica e social à escala nacional.
Ussumane
Aly Daúto, Constituição da República de Moçambique, p. 7
Em 1990 ocorreram novos factores de
natureza diversa que levaram à alteração da Constituição de Moçambique. Esses
factores estavam ligados aos novos programas de reestruturação da economia e ao
início das conversações de paz com a RENAMO que previa o fim da guerra civil.
A nova Constituição de 1990 defendia um
sistema eleitoral de representação proporcional onde os órgãos representativos
deviam ser escolhidos através de eleições em que todos os cidadãos com mais de
18 anos têm direito a participar. A eleição é feita através de um sufrágio
universal directo, secreto, pessoal e periódico e o apuramento dos resultados
das eleições devia obedecer ao sistema de representação proporcional. Nascia
assim uma nova Constituição democrática que substituía a antiga Constituição, a
qual defendia o sistema de partido único. Com a adopção desta nova lei
fundamental, Moçambique adopta definitivamente o multipartidarismo.
A adopção de uma Constituição
consagrando os princípios da liberdade de associação e organização política dos
cidadãos no quadro de um sistema multipartidário, o princípio da separação de
poderes e a realização de eleições livres foram, indubitavelmente, um passo
essencial para o estabelecimento de uma sociedade democrática. Estavam, assim,
criadas formalmente as bases de uma legitimidade democrática, conduzidas pelo
próprio partido no poder, a Frelimo.
Embora a Constituição de 1990 tenha
introduzido o fundamento legal de um sistema multipartidário no país, foi, na
verdade, após a assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992, que se abriram as
perspectivas de uma efectiva transformação do sistema político moçambicano.
Neste processo de mudanças começaram a
aparecer várias organizações políticas, lideradas por indivíduos há muito
afastados do país e de pouca expressão no espectro social e político
moçambicano, alguns deles ligados ao processo de paz. Todas as organizações
políticas, incluindo o partido Frelimo, se afirmavam preparadas e dispostas a
enfrentarem o desafio de reconciliação, da paz, de reconstrução, da promoção da
democracia e dos direitos humanos no pleno respeito pela Constituição, pelos
órgãos de soberania e pelo Estado moçambicano.
Pequenos partidos políticos da oposição |
||
Sigla |
Nome |
Líderes |
PCN |
Partido da Convecção Nacional |
Lutero Simango |
MONAMO |
Movimento Nacional de Moçambique |
Máximo Dias |
FUMO |
Frente Unida de Moçambique |
Domingos Mascarenhas |
PIDEMO |
Partido Internacionalista Democrata
de Moçambique |
João Kamacho |
Acordo Geral de Paz
A partir de 1990, o Governo moçambicano
tomou importantes medidas que se vão revelar cruciais para o futuro do país e
que acabaram por conduzir à paz:
— Aprovação de uma nova Constituição
multipartidária;
— Consagração dos princípios da
liberdade de associação e da separação de poderes (legislativo, executivo e
judiciário);
— Determinação de realização de
eleições livres, que criava as bases para o estabelecimento de uma sociedade
democrática;
— Início das conversações entre a
RENAMO e o Governo de Moçambique, com a mediação das autoridades italianas e da
Igreja Católica;
— O presidente sul-africano Frederick
de Kierk garantiu que o seu
Governo não apoiaria mais a RENAMO.
A nova Constituição fez acelerar as
negociações de paz entre o Governo moçambicano e o movimento rebelde
Resistência Nacional de Moçambique, RENAMO, que culminaram com a assinatura, em
Roma, de um Acordo Geral de Paz (AG P), em 4 de Outubro de 1992.
Foi a assinatura deste acordo que pôs
termo à longa e destruidora guerra civil moçambicana.
Após 16 anos de intenso sofrimento, a
guerra civil terminou em 1992 e a 4 de Outubro do mesmo ano, em Roma, Afonso
Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, Presidente da República,
assinaram o Acordo Geral de Paz. Assistiram a este acordo histórico como
mediadores os presidentes do Zimbabwe e do Botswana, o vice-presidente do
Quénia, o ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, o ministro da
Presidência do Malawi, o vice-presidente da OUA e os representantes das Nações
Unidas, dos EUA, da França, da Grã-Bretanha, de Portugal e os membros da
Comunidade de Santo Egídio, com um forte destaque para D. Matteo Zuppi.
De entre vários pontos acordados, o
Governo de Moçambique tinha de reconhecer a existência da RENAMO como partido
político e não como um movimento rebelde de guerrilha, como até então vinha
sendo tratado. Com a assinatura deste acordo geral de paz conseguiu-se:
— Um imediato cessar-fogo;
— A desmilitarização das zonas de
combate;
— A libertação de prisioneiros;
— A formação de um novo exército
composto por cerca de 15 mil homens provenientes, em partes iguais, de ambas as
facções;
— A marcação de eleições livres.
No mesmo ano, a ONU enviou para
Moçambique forças para a manutenção da paz — ONUMOZ — e o Zimbabwe retirou as
suas forças armadas, que auxiliavam o Governo a controlar as vias de
comunicação entre a Beira e o Limpopo.
Neste trabalho, concluiu-se que a conquistada
a Independência Nacional em 25 de Junho de 1975, devolveram-se ao povo
moçambicano os direitos e as liberdades fundamentais. A Constituição de 1990
introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e
interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros
estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a instauração
de um clima democrático que levou o país à realização das primeiras eleições
multipartidárias.