O Nacionalismo Económico de Salazar

Toda a política colonial do período do Estado Novo estava orientada para colocar ao serviço da economia da metrópole a economizadas colónias. Moçambique era uma das mais ricas colónias de Portugal e as suas matérias-primas e as suas gentes foram incorporadas no sistema económico-financeiro português. Essa era a visão do nacionalismo económico de Salazar.

As causas do nacionalismo económico foram, essencialmente, as seguintes:

·         Acabar com o caos administrativo e económico que se vivia em Portugal e nas colónias;

·         Acabar com o domínio do capital estrangeiro não-português, sobretudo com a hegemonia inglesa;

·         Necessidade de obrigar as colónias ao fornecimento das matérias-primas e ao consumo de produtos portugueses.

Esta nova política era baseada num forte proteccionismo económico e num aproveitamento dos recursos das colónias. Salazar pôs fim às concessões das companhias, legislou profundamente sobre comércio colonial, forçou o trabalho de determinadas culturas, tudo sentido de proteger o império ultramarino.

Para acabar com o caos administrativo e o domínio do capital estrangeiro não português, o Estado Novo adoptou uma política centralizada em torno do Ministério das Colónias, interrompendo a política de autonomia que se vinha verificando desde 1914. Foi assim que a Companhia do Niassa não viu renovada a sua carta concessionária em 1929. Em 1942 foi a vez da Companhia de Moçambique.

Com a cessação dos poderes majestáticos da Companhia de Moçambique, assiste-se à unificação de todo o território, que passa a estar sujeito às mesmas leis e aos mesmos interesses coloniais, no quadro da política nacionalista de Salazar. Restaurava-se a ideia de um Império Colonial

Português em que as colónias eram parte integrante de Portugal.

Nas colónias, o nacionalismo salazarista encontrou expressão legal fundamentalmente em dois documentos:

·         Acto Colonial;

·         Carta orgânica do Império Colonial Português (1930).

 

 

O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português

O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português foram importantes instrumentos da política portuguesa a partir de1930. Ambos constituíam uma espécie de orientação para a gestão política dos territórios ultramarinos.

O Acto Colonial de 1930, uma espécie de Constituição para os territórios ultramarinos, havia definido a administração e a cobrança de imposto e mesmo a exploração dos portos como competência exclusiva do Estado. Outro elemento importante foi a definição de um estatuto especial dos indígenas — base para o recrutamento da força de trabalho para as empresas capitalistas e colonos.

A política colonial deste novo período baseou-se no princípio de que as colónias deviam ser fonte de matérias-primas para a metrópole e mercados das manufacturas portuguesas, bem como recipientes dos desempregados portugueses. Desta forma, Moçambique torna-se um fornecedor importante de algodão para a indústria portuguesa, consumidor do vinho e têxteis portugueses e albergue de camponeses empobrecidos em Portugal, tanto em regime de colonatos como nas cidades.

Outros diplomas igualmente importantes foram a Constituição Portuguesa de 1933 («a organização económica dos territórios portugueses depende da organização económica habitual da Nação Portuguesa, e ela deve por consequência ser integrada no conjunto da economia mundial», especificando a relação entre a economia das colónias e Portugal), a Carta Orgânica, publicada para cada colónia, e a Lei da Reforma Administrativa Ultramarina (1933).

Devido a esta Reforma, a administração local ficou sujeita ao mandato efectivo de Lisboa, assegurando-se os interesses da burguesia portuguesa.

 

Alguns artigos relevantes do Acto Colonial de 1930.

Artigo 2.°

É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.

Artigo 3.°

Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português. O território do Império Colonial Português é o definido nos 2. ° 5. ° artigo 1. ° Constituição.

Artigo 8.°

Nas colónias não pode ser adquirido por governo estrangeiro terreno ou edifício para nele ser instalada representação consular senão depois de autorizado pela Assembleia Nacional e em local cuja escolha seja aceite pelo Ministro das Colónias.

Artigo 22.0

Nas colónias atender-se-á ao estado de evolução dos povos nativos, havendo estatutos especiais dos indígenas, que estabeleçam para estes, sob a influência do direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes individuais, domésticos e sociais, que não sejam incompatíveis com a moral e com os ditames de humanidade.

Acto Colonial, in Diário do Governo, l.a série, 11 de Abril de 1933

 

Basicamente, esta legislação marcou o fim da autonomia formal da Província de Moçambique, que passou a denominar-se Colónia, e centralizou os poderes legislativos e financeiros nas mãos do então ministro das Colónias, procurando colocar Portugal ao nível das restantes potências europeias.

O resultado desta política foi a formação e consolidação lenta, mas Contínua, de um capital português. A grande dependência de países estrangeiros foi largamente superada através das dificuldades impostas ao capital estrangeiro e da diversificação de fontes externas de capital, em vez da hegemonia de uma única fonte, como acontecia com a posição da Inglaterra.

 

No seu conteúdo, o Acto Colonial defendia:

·         Os direitos fundamentais da nação portuguesa;

·         Os direitos históricos sobre as suas colónias;

·         As condições dos indígenas;

·         O estatuto de “colónia”;

·         Os artigos que orientaram a administração ultramarina portuguesa e as relações que a metrópole devia estabelecer com as colónias.

Estes documentos definiam como competência exclusiva do Estado a administração e a cobrança de impostos e mesmo a exploração dos portos. Definiu-se ainda o estatuto especial dos indígenas, como base para o recrutamento da força de trabalho para as empresas capitalistas.

A presente política colonial passou a guiar-se pelo princípio de que as colónias deviam ser as principais reservas de fonte de matérias-primas para a metrópole e mercados para as manufacturas portuguesas. Perante este cenário, Moçambique apresentou-se como importante fornecedor de matérias-primas (algodão para a indústria portuguesa) e consumidor do vinho e têxteis portugueses, bem como destino da massa de camponeses empobrecidos em Portugal.

A economia das colónias segundo o Acto Colonial passou a fazer parte da economia da metrópole. Assim, a administração das colónias devia estar sujeita ao mandato directo e efectivo de Lisboa, assegurando, desta forma, os interesses da burguesia portuguesa.

No geral, a publicação e implementação destes diplomas deram a Portugal maior poder sobre a colónia de Moçambique, tornando cada vez mais presente o capital português.

As dificuldades impostas ao capital estrangeiro e a diversificação de fontes externas de capital reduziram sobremaneira a hegemonizada Inglaterra sobre a colónia de Moçambique e abriu espaço para a entrada de outros capitais externos.

 

A crise de 1929 e suas repercussões em Moçambique

A crise de 1929 que estalou em Nova Iorque com o crash bolsista atingiu todo sistema capitalista mundial. Esta crise foi originada pela superprodução, Isto é, a produção ultrapassou o consumo, tendo afectado o sistema financeiro que começou a ressentir-se, diminuindo os créditos e provocando uma reacção em série no sistema económico mundial. Esta crise gerou muito desemprego, o fecho de fábricas e a redução da produção.

Todas as colónias dos países capitalistas foram muito atingidas com a redução da procura de matérias-primas e a diminuição drástica dos preços de venda. Como se pode ver no gráfico do valor e volume de vendas moçambicanas, ainda que o volume de vendas não tinha descido de forma acentuada, o valor pago por essas matérias-primas atingiu níveis baixíssimos, que só foram repostos oito anos mais tarde.

Para o caso de Moçambique, os produtos mais afectados foram:

O amendoim, milho, copra, açúcar e sisal.

Os únicos produtos agrícolas de exportação que conseguiram manter os preços foram o caiu e o algodão.

 

O capital comercial no quadro da agricultura forçada: o caso do algodão, arroz e chá

O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português impuseram às colónias o papel de fornecedoras de matéria-prima e manifestou-se ainda a declarada intenção de cultivar certos produtos em detrimento de outros.

 

Caso do algodão

Moçambique tornou-se um fornecedor de matéria-prima para Portugal, sobretudo de algodão. O algodão era produzido em regime desumano de trabalho forçado, sem qualquer dispêndio do capital em salários. A promoção da cultura de algodão em trabalho forçado permitiu que os industriais portugueses usufruíssem de alguns benefícios, tais como:

— O fornecimento certo de boa e barata matéria-prima;

— O Governo fornecia as sementes à população camponesa e comprava-lhes toda a produção do algodão colhido;

— A penetração do produto final nos mercados coloniais e euro peus com preços competitivos;

— O Governo devia fazer concessões de terras algodoeiras a empresas que assumissem o compromisso de construir uma fábrica de descaroçamento do algodão e um armazém.

Ao serem obrigados a cultivar o algodão, os camponeses tinha pouco tempo para o cultivo de culturas de subsistência. A prazo, camponeses deixaram de ter culturas para se alimentarem a si e suas famílias. A fome instalou-se sobretudo nas zonas onde a cintura daquela planta era mais abundante, como Cabo Delgado, Na pula, Norte da Zambézia, Norte de Manica e Sofala (Chemba).

O processo de cultivo do algodão também não era justo. Geralmente, as sementes era dadas aos camponeses; estes semeavam-nas numa terra alugada ao Estado e colhiam o produto; o produto vendido sempre ao Estado (companhia) a um preço baixo; condições de trabalho eram péssimas e havia fome, pois não reatava tempo para tratar das culturas de subsistência; por ano, tinha ainda de pagar os seus impostos e rendas da terra. Ao serem obrigados a cultivar o algodão, os moçambicanos perderam o uso livre da terra, passaram fome e a estar mais dependentes do capital português para pagar as suas rendas e impostos. Instalou-se um ciclo vicioso vantajoso apenas para o colonizador.

A cultura obrigatória do algodão trouxe consequências graves para as comunidades:

— Fome no seio das comunidades;

— Camponeses que protestavam contra o cultivo do algodão;

— Camponeses que fugiam das zonas de cultivo do algodão para os territórios vizinhos;

— Os camponeses juntavam pedras nos sacos de algodão para aumentar o peso e consequentemente o valor a receber por ele.

Face à resistência dos camponeses, as autoridades reforçaram a vigilância, organizando e controlando o processo de cultivo.

 

Algodão como sendo a maior evidência

Segundo Chilundo et all (1999, p. 84), “a função de Moçambique como fornecedor de matéria-prima a Portugal foi muito evidente com algodão, o qual produzido em regime desumano de trabalho forçado sem qualquer dispêndio de capital em salário permitiu o desenvolvimento das indústrias portuguesas”. Neste caso o algodão permitiu o desenvolvimento das poucas indústrias de vulto (têxtil) e sua penetração nos mercados coloniais e europeus com preços competitivos.

O caso de algodão uma das indústrias portuguesas era a têxtil. Antes de 1926, Moçambique e Angola produziam cerca de 800 toneladas de algodão contra 17000 toneladas que a indústria necessitava anualmente.

O cultivo de algodão foi responsabilizado aos camponeses num sistema fortemente controlado por agentes de administração colonial e das companhias concessionárias.

Os camponeses viam-se obrigados a cultivar o algodão com seus próprios meios de produção e a vender a colheita a preços fixos à companhia que lhes forneceu as sementes. Este sistema reduzia o tempo do campesinato para o cultivo da sua subsistência.

Em 1938 a crescente procura mundial do algodão, aumentando em consequência ao seu preço. Portugal, para controlar todos os aspectos de produção e comercialização do algodão, cria a JEAC, com sede em Lisboa. Atreves deste organismo, o Governo pretendeu estabelecer um maior controlo sobre as companhias concessionárias em Moçambique. O sistema de produção camponesa mantinha-se e as companhias obrigavam-se a desenvolver mais activamente, a cultura de algodão em concessões mais alagadas. Toda a exportação tinha de ser aprovada pela JEAC. No início de 1939 a JEAC tentou promover o aumento da cultura de algodão através de propagandas e da persuasão.

 

Caso do arroz

Com a crise pós-II Guerra Mundial, que ocasionou o descontrolo dos circuitos comerciais mundiais no que diz respeito à importação do arroz do Sudeste Asiático (via Singapura), aumentou a necessidade da produção de arroz para abastecer as necessidades alimentares da população urbana portuguesa.

Assim, o Governo colonial decidiu criar círculos orizícolas, em 1942, com poderes iguais à Junta do Algodão. Os concessionários da junta deviam distribuir as sementes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem moçambicano de cultivar um hectare e cada mulher 1/2 hectare. A cultura do arroz baseava-se na pressão exercida pelos administradores, sipaios e capatazes sobre os camponeses. O arroz devia ser vendido pelo camponês apenas ao concessionário a um preço baixo fixado pelo Governo.

Esta situação também criou muita revolta no seio dos camponeses e muitas fugas de camponeses que preferiam emigrar para outras zonas onde não se praticava esta cultura.

A diminuição significativa da navegação comercial e o desenrolar de acontecimentos políticos no sudeste asiático, nomeadamente a expansão do Japão e a queda da Singapura em seu favor, provocaram a interrupção no fornecimento do arroz (Serra, 2000, p.53). Neste contexto o Governo Colonial decidiu criar círculos orizícolas e entregar o fornecimento de sementes aos camponeses africanos e a compra do produto a concessionários europeus num modelo repressivo semelhantes ao de cultura de algodão. Em resposta a esta situação e para promover a auto-suficiência em arroz o governo colonial decidiu introduzir a produção obrigatória do arroz. A cultura de arroz baseava-se na pressão exercida pelos administradores, sipaios e capatazes. Os concessionários deviam distribuir as sementes semelhantes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem cultivar um hectare e a cada mulher meio hectare. O arroz devia ser vendido pelo camponês apenas as concessionarias a um preço baixo fixado pelo governo. O concessionário processava e revendia o produto enriquecendo desta forma em todo processo de comercialização. Nesta altura, os camponeses preferiam emigrar para outras zonas onde na se praticava esta cultura, a cozer ou torrar as sementes, bem como outras formas de protesto. 

 

Caso do chá

Apesar da crise mundial provocada pelo crash bolsista de 1929, o consumo de chá não baixou. O chá, a par do algodão e do caju, foi um dos produtos que mais valorizou, sobretudo devido às seguintes razões:

— Na Zambézia, na década de 30, havia condições económicas e administrativas propícias para a plantação de chá;

— Havia muita mão-de-obra disponível;

— Havia ajuda estatal no fornecimento de mão-de-obra;

— Em 1933, firmou-se o Acordo Internacional de Chá (AIC), que limitou a produção dos principais produtores, dos quais Portugal colonial não fazia parte;

— Nesse acordo foi feita ainda a concertação de preços.

Moçambique começou por usar os férteis terrenos da Zambézia na produção de folha de chá e, fruto do AIC de 1933, conseguiu impor-se num mercado tão exigente.


Conclusão

No presente trabalho, concluímos que o homem forte deste regime em Portugal foi o Dr. António de Oliveira Salazar, nomeado ministro das finanças em 1928. Em 1932, Salazar torna-se presidente do conselho de ministros, lugar que iria ocupar durante quarenta anos.

Tendo feito uma profunda investigação e compilação da matéria necessária para a realização deste trabalho, concluiu-se ainda de uma forma generalizada que na essência, o Acto Colonial visou legislar os direitos fundamentais da nação portuguesa como potência colonial histórica, definir as condições dos indígenas e delinear a administração ultra marina portuguesa e as relações entre as colónias e a metrópole.

Com a publicação do Acto Colonial, foram definidas as linhas em que a futura economia das colónias deveria assentar e, com elas, a de Moçambique pois: «a economia de todas as colónias deveria ser parte integrante da economia nacional.»

Constatou-se também que o Acto Colonial definiu durante muito tempo o conceito ultramarino português, tendo sido revogado na revisão da Constituição portuguesa feita em 1951, que o modificou e integrou no texto da Constituição. Com a revisão constitucional de 1951, a visão imperialista foi teoricamente abandonada, sendo substituída por uma estratégia que visava a assimilação civilizadora das colónias à metrópole, com o objectivo final de criar uma nova ordem política, que podia ser a integração total, autonomia, federação, confederação, etc. Reflectindo esta nova visão teórica, as colónias passaram a designar-se por "províncias ultramarinas".


Bibliografia

®    NHAPULO, Telésfero de Jesus, História 12ª classe, Plural Editores, Maputo, 2013

®    Pereira, Luís José Barbosa, Pré-Universitário 12, 1ª ed., Longman Moçambique Lda., Maputo 2010

®    www.escolademoz.com


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