Ficha de Leitura - Mar Me Quer
FICHA
DE LEITURA
| DADOS DO
  ESTUDANTE | |
| Nome da Escola: | Escola Secundária da Liberdade | 
| Nome da Aluna: | Clara Jaime | 
| Classe: | 12ª classe | 
| Turma: | A1 | 
| Disciplina: | Português | 
| FICHA TÉCNICA | |
| Título | Mar Me Quer | 
| Autor | Mia Couto | 
| Data da primeira publicação | 1998 | 
| Editora | Editorial Caminho,
  SA | 
| Ilustrações | João Nasi Pereira | 
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| INFORMAÇÕES DO AUTOR  | |
| Mia Couto | Escritor e jornalista moçambicano que
  nasceu em 1955, na Beira, filho de uma família de emigrantes portugueses
  chegados a Moçambique no princípio da década de 50. Fez a escola primária na
  Beira. Em 1971, iniciou os seus estudos de Medicina na Universidade de
  Lourenço Marques (actualmente, Maputo), onde se vivia um ambiente racista
  muito vincado. Por esta altura, o regime exercia grande pressão sobre os
  estudantes universitários. O conjunto destas circunstâncias leva-o a
  colaborar com a FRELIMO.  A partir do 25 de Abril e da
  independência de Moçambique, interrompeu os estudos para trabalhar, em
  primeiro lugar, em A Tribuna, juntamente com Rui Knopfli. Participou na
  revista Tempo até 1981, ficando, depois, no Notícias até 1985.  O seu primeiro livro, Raiz de Orvalho
  (poemas) foi publicado em 1983. Segundo o próprio autor, consiste numa
  espécie de contestação contra o domínio absoluto da poesia militante e
  panfletária. Seguiram-se Vozes Anoitecidas (livro de contos com que se
  estreou na ficção), Cada Homem é uma Raça, Cronicando, Terra Sonâmbula,
  Estórias Abensonhadas, A Varanda do Frangipani e Contos do Nascer da Terra.  Em 2001, em Portugal, Mia Couto recebeu
  na Fundação Calouste Gulbenkian o Prémio Literário Mário António (prémio
  atribuído a escritores africanos lusófonos ou escritores timorenses de três
  em três anos) pela sua obra O Último Voo do Flamingo. | 
| SOBRE A OBRA | |
| Caracterização geral da
  obra | Em “Mar me quer”, do começo ao fim, Mia
  Couto deságua sua história a “lavar a língua” num jogo de palavras que
  perplexa o leitor. Captado pelos seus olhos, o texto atinge o seu pensar e se
  espalha por seu corpo, cabelos, ponta da unha do dedão do pé. Como um fio de
  água cristalina banha o que lê. Zeca Perpétuo, pescador “reformado do
  mar” porta a voz do que narra esta intensa história inventada em concordância
  com os ditos do avô Celestiano, pai de Agualberto Salvo-Erro (que perdeu o
  juízo e saiu de casa cego e louco quando o filho Zeca Perpétuo tinha cerca de
  oito anos). Teria o Zeca, representante da terceira geração, sido incumbido
  de perpetuar a saga da família sempre a aventar os ditos do avô.  Uma história de passado, de presente, de
  futuro. De desejos, mistérios, surpresas, solidão, paixão, amor... Amor de
  avô, pai, filho, de homem e mulher. Do amor tardio do Zeca por Luarmina, a
  vizinha de “brumosos passados”, gorda mulata que ele veio a conhecer após ir
  morar na herdada casa dos falecidos pais. Mar me quer, bem me quer, “o
  infinito cantochão de Luarmina” que “todos os fins de tarde, fica sentada num
  degrau da varanda e vai desfolhando infinitas flores”. E foi ela que acabou
  por entrelaçar tramas e urdiduras até compor o surpreendente remate da
  história.  Da trama aqui pouco vou revelar, a não
  ser alguns trechos desgarrados. Pura provocação ao leitor. Desejava em
  verdade era trasladar o texto por inteiro, fragmento por fragmento. Por puro
  desfruto. | 
| RESUMO DA OBRA | |
| Sou feliz só por preguiça. A
  infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair
  dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da
  alma que nem chegou a falecer. – Levanta, ó dono das preguiças. É o mando de
  minha vizinha, a mulata Dona Luarmina. Eu respondo: -Preguiçoso? Eu ando é a
  embranquecer as palmas das mãos. -Conversa de malandro… – Sabe uma coisa,
  Dona Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu
  só presto é para viver… Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina
  sorri só para dar rosto à tristeza. – Você, Zeca Perpétuo, até parece mulher…
  – Mulher, eu? – Sim, mulher é que senta em esteira. Você é o único homem que
  eu vi sentar na esteira. – Que quer vizinha? Cadeira não dá jeito para
  dormir. Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabeça. Minha vizinha
  reclama não haver homem com miolo tão miúdo como eu. Diz que nunca viu
  pescador deixar escapar tanta maré: – Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da
  vida. – A vida, Dona Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É
  como dizia meu avô Celestiano sobre pensarmos Deus ou não Deus… Além disso, pensar traz muita pedra e
  pouco caminho. Por isso eu, um reformado do mar o que me resta fazer?
  Dispensado de pescar, me dispenso de pensar. Aprendi nos muitos anos de
  pescaria: o tempo anda por ondas. A gente tem é que ficar levezinho e sempre
  apanha boleia numa dessas ondeações. – Não é verdade, Dona Luarmina? A
  senhora sabe essas línguas da nossa gente. Me diga, minha Dona: qual é a
  palavra para dizer futuro? Sim, como se diz futuro? Não se diz, na língua
  deste lugar de África. Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca
  chega a haver. Então eu me suficiento do actual presente. E basta. – Só eu
  quero é ser um homem bom, Dona. – Você é mas é um aldrabom. A gorda mulata não quer amolecer
  conversa. E tem razão, sendo minha vizinha desde há tanto. Ela chegou ao
  bairro depois da morte de meus pais, quando herdei a velha casa da família.
  Nessa altura, eu ainda pescava em longas viagens, semanas de ausência nos
  bancos de Sofala. Nem notava a existência de Luarmina. Também ela, logo que
  desembarcou, se internou na Missão, em estágio para freira. Ficou
  enclausurada nessas penumbras onde se murmura conversa com Deus. Só uns anos
  mais tarde ela saiu dessa reclusão. E se instalou na casa que os padres lhe
  destinaram, bem junto à minha morada. Luarminacostureirava, era seu sustento.
  Nos primeiros tempos, ela continuava sem se dar às vistas. Só as mulheres que
  entravam em seus domínios é que lhe davam conta. No resto, me chegavam apenas
  os perfumes de sua sombra. Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus
  brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede
  em costas de Moçambique, do lado de 1á da baía de S. Vicente. Já se
  antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo depois. Dizem que de
  desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha. Ao que
  parece, Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em redor da casa.
  A senhora maldizia a perfeição de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa
  noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. Só para a esfeiar e, assim,
  afastar os candidatos. Depois da morte da mãe, enviaram
  Luarmina para o lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entregue a reza e
  crucifixo. Havia que arrumar a moça por fora, engomá-la por dentro. E foi
  assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para
  sua actual moradia, nos arredores de minha existência. Só bem depois de me retirar das
  pescarias é que dei por mim a encostar desejos na vizinha. Comecei por
  cartas, mensagens à distância. À custa de minhas insistências namoradeiras
  Luarmina já aprendera as mil defesas. Ela sempre me desfazia os favores,
  negando-se. – Me deixa sossegada, Zeca. Não vê que eu já não desengomo
  lençol? – Que ideia, Dona vizinha? Quem lhe disse que eu tinha essa intenção?
  Todavia, ela tem razão. Minhas visitas são para lhe caçar um descuido na
  existência beliscar-lhe uma ternura. Só sonho sempre o mesmo: me embrulhar
  com ela, arrastado por essa grande onda que nos faz inexistir. Ela resiste,
  mas eu volto sempre ao lugar dela. – Dona Luarmina, o que é isso? Parece
  ficou mesmo freira. Um dia, quando o amor lhe chegar, você nem o vai
  reconhecer… – Deixe-me, Zeca. Eu sou velha, só preciso é um ombro. Confirmando esse atestado de
  inutensílio, ela esfrega os joelhos como se fossem eles os culpados do seu
  cansaço. As pernas dela da maneira como incham, dificultam as vias do sangue.
  Lhe icebergam os pés, a gente toca e são blocos de gelo. E ela sempre se
  queixa. Um dia aproveitei para me oferecer: – Quer que lhe aqueça os pés?
  Arrepiando expectativa, ela até aceitou. Até eu fiquei assim, meio
  desfisgado, o coração atropelando o peito. – Me aquece, Zeca? – Sim,
  aqueço mas… pela parte de dentro. | |
| CRÍTICAS | |
| Críticas De Imprensa | «Mar me Quer, de Mia Couto (...) é livro "para entrar no céu" (...) Neste conciso fresco, ritmado
  pelo sentido de observação, dolente no canto nostálgico, mágico no realismo,
  privilegia-se a técnica de narrar na primeira pessoa sem barroquismo e com
  uma descida quase fácil à oralidade. E por que não? Mar me Quer não é nocturno, subterrâneo ou indefinido, vive, sim, de um empenho
  lírico-metafísico (...) A escrita dir-se-ia, afinal, para Mia Couto, uma espécie de casa: "Uma casa que eu visito, mas não moro
  lá." Visitemo-la, nós também, por instantes.» | 
| CITAÇÕES | |
|  | "Sim, como se diz futuro? Não se diz, na língua deste lugar de
  África. Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver.
  Então eu me suficiento do actual presente. E basta." | 
|  | "Deus é assunto delicado de pensar, faz conta um ovo: se apertarmos
  com força parte-se, se não seguramos bem cai." | 
|  | "Minhas visitas são para lhe caçar um descuido na existência,
  beliscar-lhe ternura." | 
|  | "Era uma só tristeza molhada." | 
|  | "O mar tem um defeito: nunca seca.
  Quase prefiro o pequenino lago da minha aldeia que é muito secável e a gente
  sente por ele o mesmo que por criatura vivente, sempre em risco de
  terminar."(Dito do avô Celestiano) | 
|  | "Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira
  pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem
  consolar, aceitar pêsames por uma porção de alma que nem chegou a
  falecer". | 
|  | "Pensar traz muita pedra e pouco caminho". | 
|  | "Eu entendo: uma boa maneira de esconder a tristeza é
  cobrirmo-nos de carne. O sofrimento é fatal quando atinge os ossos. Chegada
  aí, a tristeza se apressa em virar esqueleto. Sábio é dar cobertura ao corpo,
  intermediar gordurosas fronteiras". | 
|  | "Lançamos o barco, sonhamos a viagem: quem viaja é sempre o
  mar." | 
|  | "É uma pena a senhora andar por aí fatigando seus olhos pelo
  mundo. Devia era, lgo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede
  o tempo e atrasa a ruga". | 
|  | "A canoa se fez ao mar, um cisco entrou nos olhos de Deus". | 
|  | "Chaminé que construísse em minha casa não seria para sair o
  fumo, mas para entrar o céu." | 
|  | "O caracol se parece com o poeta: lava a língua no caminho da
  sua viagem." | 
|  | "Um segredo é uma laranja de um só
  gomo. A gente come aquele gomo e fica a casca forrando o vazio. Eu já havia
  experimentado aquele amargo de segurar um fruto em dentro, cascas areiando
  entre os dedos." | 
| COMENTÁRIOS
  PESSOAIS  | 
| Este pequeno romance de Mia Couto foi
  uma contribuição para uma expo mundial em Lisboa de 1998, representando
  Moçambique. Para representar seu país, Mia Couto derramou um mar de
  conhecimentos do folclore do povo praiano no livro, típicas de seu país. É
  uma coisa linda de se ver, a história de Zeca e Luarmina. São personagens com
  o seu quê de poético, seres que resistem às agruras que a vida traz, com uma
  alegria e uma candura digamos que quase biológica. Enquanto tenta conquistar a gorducha
  vizinha, Zeca lhe conta histórias de mar, de seu pai, e os capítulos sempre
  se iniciam com ditos populares ou dizeres de seu avô, sempre sobre o mar. O Folclore é vasto. A história mais bela
  conta do homem que se entrega ao mar em busca de sua amada, e quando volta,
  tem olhos de tubarão. O pai de Zeca. A mulher que tira as pétalas de rosas
  jogando-as ao mar, dizendo: Mar me quer, bem me quer. Luarmina. Um livro pequeno, cândido, belo de se
  ler. Um pequeno conto que parece poesia. | 
