Poesia Trovadoresca

Poesia trovadoresca é o conjunto de composições de cariz poético, produzidas em galaico-português, ou seja, no estado mais arcaico da língua portuguesa, remontando ao final do século XII e a meados do século XIV.

As composições, chegaram até à atualidade através de cancioneiros (conjunto de canções) e são da autoria dos mais diversos poetas, tais como o rei Afonso X ou D. Dinis, bem como de muitos outros, a quem são desconhecidas as biografias.

Surgem no início da literatura portuguesa, não tendo na sua génese uma intenção comunicativa ou utilitária. É pois, posteriormente ao século XII, que estes tipos de texto passam a ser transmitidos e conservados, deixando de ter apenas uma vertente oral.

Refira-se que a criação da poesia trovadoresca acontece, em simultâneo, com a própria criação do reino de Portugal, no ano de 1128 e ainda com a Reconquista cristã, identificando-se duas áreas culturais distintas: o Norte cristão e rural, assim como o Sul moçárabe e urbano. Assim, é no Norte cristão e rural, nomeadamente entre o Douro e o Minho que surge a nação portuguesa, nascendo uma língua comum, nesse território que se alarga para a Galiza.

Segundo António José Saraiva «Já pelo ano 1000, ou talvez antes, há manifestações que tendem a revelar uma certa autonomia cultural no Noroeste. Há mosteiros cristãos moçárabes nas proximidades de Coimbra, como Vacariça e Lorvão, para não falar no Norte do Douro. No começo do reinado de Afonso Henriques é fundado o Mosteiro de Santa Cruz, de cónegos regrantes, onde se fabricam livros e onde se colecionam anais latinos referentes à região. É de assinalar, pela sua importância futura, a fundação, em 1152, por monges franceses, do vasto Mosteiro de Alcobaça.»

O primeiro texto de poesia galaico-portuguesa, acredita-se que data de 1196, intitulando-se “Ora faz ost´o senhor de Navarra”, uma cantiga de escárnio, de Joam Soares de Paiva (1140-depois de 1194).

Mencione-se, ainda, o testamento de Afonso II, datado de 1214, um dos primeiros textos escritos em português antigo. A língua viria a ser impulsionada por D. Dinis (reinou de 1279 a 1325), tornando-se mesmo obrigatória a sua utilização nos documentos oficiais.

Vivia-se, desta forma, uma altura em que a cultura era transmitida, essencialmente, de forma oral,  por monges que contavam histórias; nas igrejas através do canto litúrgico; a Bíblia, bem como livros de cariz não religioso eram, igualmente,  divulgados e contados de forma oral, coexistindo assim, tanto a cultura laica (ou profana) como a cultura religiosa, sendo os locais eleitos para esta difusão, os conventos e lugares de estudo.

A poesia trovadoresca, surge, desta forma, de variados fatores, num contexto de guerra santa e conflitos com os reinos mais próximos, levando à fixação de uma poesia, por escrito. Neste sentido, José Mattoso fala-nos que são elementos a considerar: “a influência franca do fim do século XI e princípio do seguinte e as alterações que trouxe à cultura aristocrática e clerical; a renovação produzida pelos contactos com árabes e moçárabes, quando a gente do Norte, desde meados do século XII, deixou o campo para viver nas cidades da Estremadura e do Alentejo; as modificações suscitadas pelo alargamento da corte régia (…); as diversas fases da guerra com o Islão(…), o reforço da burocracia diocesana e estatal durante todo o século XIII; a proliferação dos Mendicantes (monges que viviam nas cidades, contactando, sobretudo, com as camadas populares); os contactos com a escolástica; a evolução de um centro como o de Alcobaça e de outros mosteiros cistercienses; o atrofiamento da cultura moçárabe depois da Reconquista; as inovações da poesia lírica e satírica, por influência moçárabe ou provençal; a receção dos romances de cavalaria vindos da França do Norte em meados do século XIII.»

São as mais variadas razões, quer económicas, sociais, quer políticas, que acabam por ditar o fim da poesia trovadoresca, ligando-se à data de 1350, aquando do testamento de D. Pedro, o último trovador que legaria a Afonso XI de Castela, um Livro de Cantigas.

É de mencionar que, a poesia trovadoresca utiliza uma linguagem que explora tanto efeitos lexicais, como fónicos, sintáticos ou semânticos, isto é, uma linguagem poética. Tratam-se pois, de poemas que relatam afetos e emoções, assentes na própria experiência e vivência humana.

Assim, nas Cantigas de Amigo, é retratada a comunhão do Homem com a Natureza; nas Cantigas de Amor, as relações sujeitas a códigos e a restrições da corte; e nas Cantigas de escárnio e maldizer, uma visão satirizada de figuras e acontecimentos.

 

CANTIGAS DE AMIGO

As Cantigas de Amigo, de forma mais simples, apresentam-nos, em geral, a mulher integrada no ambiente rural: na fonte ou na romaria, lugares de namoro; sob as flores do pinheiro ou de avelaneira; no rio, onde lava a roupa e os cabelos ou se desnuda para tomar banho; na praia, onde aguarda o regresso dos barcos.

O trovador usa o artifício de falar como uma menina enamorada, do povo, que se dirige ao amigo ou amado, que fala dele à própria mãe, às irmãs, às companheiras ou ao Santo da sua devoção.

Estas cantigas são postas na boca de uma mulher solteira (sujeito poético), donzela, que exprime os seus pequenos dramas e situações da vida amorosa.

O paralelismo constitui a característica formal mais importante deste tipo de cantigas.

As variedades principais são:

·         Alvas ou albas - são as cantigas em que aparece o romper do dia, a alvorada, como momento de separação e despedida de dois apaixonados.

·         Barcarolas ou marinhas - são chamadas assim por nelas predominarem os motivos marinhos, referentes ao mar ou ao rio, onde a donzela vai esperar o amigo ou lamentar-se da sua ausência.

·         Bailias ou bailadas - são todas simples que acompanhavam a melodia de dança. Daí a importância que nelas tem o aspeto musical realçado pelo paralelismo e existência indispensável do refrão. Ao contrário das anteriores, em que o tom é triste, o tema é a alegria de viver e amar.

·         Cantigas de romaria ou romarias - mencionam-se festas e peregrinações a santuários e capelas onde a donzela vai cumprir promessas, rezar pelo amigo ou simplesmente distrair-se em locais de culto que ainda hoje perduram.

 

CANTIGAS DE AMOR

A Provença, a partir do séc. XI, foi o berço de um encantador lirismo, que concebia o amor como um culto.

Este lirismo difundiu-se na Península Ibérica nos séc. XII e XIII, dando origem à chamada Cantiga de Amor que segue o modelo provençal.

De carácter aristocrático dá expressão à coita de amor (raramente à alegria) fazendo do amor um preito de vassalagem à “senhor”.

Quem nestas cantigas fala é um homem (sujeito poético) que se dirige ou se refere a uma dona, oriunda de um estrato social superior (residindo em ambientes palacianos).

O trovador imaginava a “dona” como um “suserano” a quem “servia” numa atitude submissa de “vassalo”.

Os trovadores chamaram cantigas de amor às composições em que o poeta exprime os seus sentimentos por uma dama, refletindo a maioria das vezes um amor infeliz, incompreendido e insatisfeito. Perante a “senhor”, o poeta apaixonado humilha-se, suplica e adora como um vassalo o seu suserano. Frequentemente diz só lhe restar morrer de amor ao aperceber-se da indiferença, frieza e distanciamento da amada. As cantigas de amor galego-portuguesas refletem forte influência provençal, não só a nível do conteúdo como a nível formal.

Características gerais:

·         Eu lírico masculino

·         Assunto Principal: o sofrimento amoroso do eu-lírico perante uma mulher idealizada e distante.

·         Amor cortês; vassalagem amorosa.

·         Amor impossível.

·         Ambientação aristocrática das cortes.

·         Forte influência provençal.

·         Vassalagem amorosa "o eu lírico usa o pronome de tratamento "senhor".

 

CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER

As cantigas de escárnio e maldizer constituem um dos três géneros em que se divide a Satírica galego-portuguesa, que em Portugal encontrou expressão por volta de 1189 e 1385. Foram escritas, assim como todos os textos populares da época, em galego-português. As cantigas de escárnio e maldizer, sub-género da lírica galego-portuguesa, incluem sirventeses provençais morais e políticos, sátiras literárias e maledicências pessoais, como "tenções", prantos e paródias; em resumo, os textos que não se encaixam como cantiga de amigo e de amor. O trovadorismo galego-português aperfeiçoou uma canção satírica proveniente da Provença, que lhe davam o nome de sirventés, que, oque chegada à Galiza, acabou por influenciar os trovadores para que estes, apoiando-se, talvez, numa tradição satírica autóctone transmitida oralmente e anterior à convivência com as formas occitânicas, criassem uma nova maneira de trovar: a cantiga de escárnio e maldizer.

O corpus lírico galego-português conta com aproximadamente 430 textos pertencentes ao género. A principal característica dessas cantigas é a crítica ou sátira dirigida a uma pessoa real, que era alguém próximo ou do mesmo círculo social do trovador. Apresentam grande interesse histórico, pois são verdadeiros relatos dos costumes e vícios, principalmente da corte, mas também dos próprios jograis e trovador

Trata-se de um género satírico. Nas cantigas de maldizer, o trovador troça das pessoas ou das ações de determinados indivíduos, em termos diretos e «a descoberto», nas cantigas de escárnio o poeta recorre ao duplo sentido das palavras, criticando e escarnecendo de alguém «per palavras cobertas». Esta crítica cai essencialmente na crítica individual e utiliza a ironia, o chiste e até a linguagem obscena com o intuito de ferir.

Características principais:

·         Crítica direta; geralmente a pessoa satirizada é identificada

·         Linguagem agressiva, direta, por vezes obscena

·         Zombaria

·         Linguagem Culta

 

Conclusão

Surgiu no mesmo período em que Portugal começou a despontar como nação independente, no século XII; porém, as suas origens deram-se na Occitânia, de onde se espalhou por praticamente toda a Europa.

Trovadores eram aqueles que compunham as poesias e as melodias que as acompanhavam, e cantigas são as poesias cantadas. A designação "trovador" aplicava-se aos autores de origem nobre, sendo que os autores de origem vilã tinham o nome de jogral, termo que designava igualmente o seu estatuto de profissional.

 

Bibliografia

·         Coelho, Jacinto do Prado (direção), Dicionário de Literatura, 4.ªed.,Porto, Figueirinhas, 1992

·         Magalhães, Graça; Dine, Madalena, Preparar o exame – Português 12ºano 2018 , Lisboa, Raiz Editora, 2017

·         Mattoso, José , “A cultura medieval portuguesa (séculos XI e XIV)” in História e Antologia da Literatura Portuguesa – Séculos XIII-XIV, nº1, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997

·         Saraiva, António José, Iniciação na Literatura Portuguesa, Lisboa, Gradiva, 1994

·         LANCIANI, Giulia e TAVANI, Giuseppe, As cantigas de escarnio, Edicións Xerais de Galicia, S.A, 1995, página 106

·         TAVANI, G., A poesía lírica galego-portuguesa, Galaxia, Vigo, 2ª ed. , 1988, página 188

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Click aqui