OS PRAZOS DA COROA EM MOÇAMBIQUE
O nome prazo veio do conteúdo dos contratos que a Coroa fazia com os seus mercadores. O termo prazo aparece no século XVII, quando os Portugueses começaram a receber do vice-rei da Índia (em nome do rei de Portugal), por um prazo de tempo (1, 2 ou mais vidas ou gerações). Aos recebedores de um prazo chama-se prazeiros.
Os
prazos da Coroa surgem como propriedades estatais, sujeitas a uma renda anual
em ouro e constituíam uma verdadeira estrutura militar do capital mercantil.
Estas unidades políticas caracterizavam-se cultural e politicamente por
assentarem na base de raízes da tradição cultural africana, adaptadas aos
interesses administrativos comerciais da época.
Os prazos remontam ao século XVI e terminaram definitivamente só na
década de 30 do século XX. A origem dos Prazos pode remontar a penetração
portuguesa no vale do Zambeze, entre Quelimane e Zumbo (uma zona da actual
província de Tete), que se verificou desde meados do século XVI quando, de
forma espontânea, homens do reino se aventuraram legal ou ilegalmente no
comércio. No entanto, só depois de 1618, com a regulamentação da lei sobre
concessão de terras, é que a Coroa portuguesa iniciou o processo de
reconhecimento dos privilégios e direitos destes primeiros ocupantes
portugueses, passando a designá-los de “Prazos da Coroa”. A Coroa portuguesa
reconhecia por um prazo determinado a posse da terra ocupada a quem a
legalizasse, qualquer que tivesse sido a forma da sua obtenção.
As
autoridades portuguesas de Lisboa, ao instituírem o sistema de prazos,
pretendiam implantar a dominação colonial em Moçambique com o incremento
do povoamento branco, numa tentativa de ocupar efectivamente os territórios
coloniais. Cabia ao vice-rei da Índia a atribuição dos prazos e,
posteriormente, os contratos eram confirmados em Lisboa. Podiam ser prazeiros
tanto portugueses como indianos.
O sistema de prazos desenvolveu-se ao longo do vale do Zambeze, entre
Quelimane e Zumbo, de modo a controlar as principais rotas comercias. Cada
prazo tinha uma área de cerca de cinco léguas quadradas. Os prazos do vale do
Zambeze mais conhecidos foram: Massangano, Massingre, Gorongosa, Makololo, Maganja,
Carazimamba Kanyemba, Makanga e Matakenya.
Os prazeiros tinham
deveres para com a Coroa:
Ø Reger-se pelas leis régias, assim como na administração do seu
território. O capitão-mor (dependente do vice-rei da Índia) era quem zelava por
essa aplicação;
Ø Expandir a civilização portuguesa e a fé cristã;
Ø Proteger os habitantes africanos residentes nos prazos;
Ø Pagar o imposto anual (foro), equivalente a 1/10 do rendimento do
prazo.
Contudo,
no processo da formação dos prazos, surgiram várias dificuldades ou problemas.
Na prática, a formação dos prazos funcionou apenas em benefício dos prazeiros
contra as pretensões da Coroa portuguesa.
PROBLEMAS
E DIFICULDADES NOS PRAZOS |
|
Prazeiros eram, por natureza, contrários aos interesses da Coroa |
Ø A maioria dos prazeiros eram pessoas que cumpriam penas de degredo em
Moçambique: criminosos, opositores políticos do regime, desertores do
exército. |
Prazeiros
eram poucos face às necessidades |
Ø
Eram em número reduzido para
responder aos interesses da Coroa em termos de divulgação da cultura
portuguesa no seio das comunidades africanas. |
Prazeiros eram controlados legal e fiscalmente |
Ø A impotência das autoridades portuguesas que só se encontravam na
costa sem força para obrigar a cumprir com as leis de Lisboa; Ø O crescimento do poder dos prazos fora do controlo de qualquer
autoridade lusa. |
Prazeiros
por vezes eram mais poderosos que a Coroa |
Ø
A aliança dos prazeiros com os
chefes locais, Ø
Havia um poder quase absoluto
dos prazeiros em relação a autoridade portuguesa. |
A base económica deste domínio era o comércio mercantil. Isto é, os
prazos serviam, de bolsas de escoamento de mercadorias (ouro e marfim,
numa primeira fase, e escravos, depois) aproveitando as condições naturais do
rio Zambeze para escoar os produtos ate a
Costa litoral do Indico.
A
cobrança de impostos também fazia parte da componente económica dos
prazos. 1/10 do resultado da cobrança de impostos era pago à Coroa. O mussoco
era o imposto mais conhecido e consistia num pagamento em cereais.
A pilhagem
era também uma actividade económica. O resultado das pilhagens feitas em
incursões militares era propriedade do prazeiro.
Os
prazos localizavam-se ao longo do rio Zambeze e tinham grandes poderes sobre as
populações que viviam nos seus domínios. Os prazeiros lideravam exércitos
privados, cujos soldados eram recrutados entre os escravos domésticos e demais
elementos da população a-chicunda.
Estrutura Social e Aparato Ideológico
Em
termos de organização social, os prazos eram encabeçados pelos senhores dos
prazos ou prazeiros. Havia ainda colonos Livres que também viviam nestes
domínios.
Os
trabalhadores dos prazos eram os escravos e os A-Chicundas. Os escravos eram
bens do senhor dos prazos e, apesar de a escravatura ter sido abolida em 1836,
os prazeiros continuaram esta actividade ate 1900. Os prazos talvez tenham sido
a estrutura política mais esclavagista de que há memória em Moçambique.
Os
A-Chicundas eram o exército dos senhores dos prazos. Os A-Chicundas
organizavam-se em pequenas companhias, chefiadas por um sachicunda. Os prazos
contavam ainda com uma outra classe de escravos, os mussambazes, que
controlavam as actividades comerciais dos prazos.
Tanto
os A-Chicundas como os mussambazes nunca chegaram a desligar-se dos seus
donos. Esta situação leva-nos a concluir que havia uma grande dependência
destes em relaçâo ao seu senhor. Do ponto de vista administrativo, o prazo
continha várias aringas (fortificações). E para apoiar o senhor dos
prazos na gestão da propriedade havia vários cargos administrativos:
·
Fumos, chuangas, muanamambos,
mucazambos e mussambazes.
Do
ponto de vista ideológico, os senhores dos prazos usavam quase na totalidade as
formas nativas de invocação dos cultos. A utilização do muávi, o culto aos
espíritos, as cerimónias de invocação das chuvas e outras manifestações
constituíam os mecanismos que garantiam a reprodução das relações produtivas
então existentes.
No início do século XIX, os prazos começam a entrar em decadência
provocada por várias razões:
Ø Havia uma fragilidade estrutural institucional latente devido a
ausência de legitimidade do poder dos prazeiros;
Ø Deu-se uma crise na produção agrícola pois não havia como responder aos
elevados índices de consumo no seio da população;
Ø Os prazeiros começaram a cobrar cada vez mais os impostos a população,
como o “mussoco”;
Ø Notou-se a concorrência entre diferentes prazos e Estados vizinhos;
Ø Verificou-se a ineficácia da administração portuguesa e a falta de uma
força militar para impor o seu domínio;
Ø O tráfico de escravos já deveria ter sido extinto, mas os prazeiro os
continuavam a praticá-lo; os prazeiros tiveram de, por vezes, sacrificar ao
tráfico os seus próprios camponeses e os seus escravos-soldados (A-Chicundas);
Ø Houve secas e fome;
Ø Verificaram-se lutas internas desenvolvidas pelas chefaturas locais;
Ø As invasões nguni, que se iniciaram em 1832 na região da Zululândia e
se estenderam ate ao Norte do Zambeze, fizer am corn que vários prazos
sucumbissem e passassem a integrar o Estado de Gaza.
Desta
feita, tem como conclusão o seguinte, os prazos da Coroa surgem como
propriedades estatais, sujeitas a uma renda anual em ouro e constituíam uma
verdadeira estrutura militar do capital mercantil. Estas unidades políticas
caracterizavam-se cultural e politicamente por assentarem na base de raízes da
tradição cultural africana, adaptadas aos interesses administrativos comerciais
da época.
Apesar da sua forte influência, a decadência dos Prazos foi levada por
uma série de causas, das quais, destacam-se: havia uma fragilidade estrutural
institucional latente, deu-se uma crise na produção agrícola, os prazeiros
começaram a cobrar cada vez mais os impostos a população, notou-se a
concorrência entre diferentes prazos e Estados vizinhos, verificou-se a
ineficácia da administração portuguesa.
Ø NHAPULO, Telésfero
de Jesus, História 12ª classe, Plural
Editores, Maputo, 2013
Ø
www.escolademoz.blogspot.com