O sistema tributário (o mussoco e o imposto de palhota)
A institucionalização do regime de impostos no território marcou o início de um processo de transformação da economia camponesa de subsistência para a economia virada para o mercado.
O mussoco não era uma instituição nova
nas relações sociais a norte do rio Púngoè.
Os camponeses, através do mussoco,
renda em géneros, canalizavam parte dos seus excedentesagrícolas para a elite
prazeira, sendo, muitas vezes, utilizados para a alimentação dos A-Chicundas. Era
cobrado também em produtos exóticos para a exportação (marfim, mel de abelha,
etc.). Coma crescente penetração do capitalismo colonial, o mussoco passou a ser
cobrado em trabalho e, depois, em dinheiro, o que exprime uma profunda mudança
nas relações sociais de produção.
O imposto de palhota foi introduzido ao
abrigo do decreto de 9 de Julho de 1892 e cobrado à luz do Regulamento do
Imposto de Palhota de 30 de Julho de 1892 — os proprietários de palhotas ou
cubatas situadas no interior do território ficavam obrigados ao pagamento do
imposto anual de 900 réis por palhota ou cubata utilizada como habitação.
Como o salário era quase fictício, esta
medida tornou-se, de facto, um mecanismo de angariação de mão-de-obra gratuita.
Portanto, o mussoco e o imposto de palhota eram um mecanismo de dominação do
capital sobre o trabalho.
O regime de Caderneta Individual
Indígena então instalado e o aperfeiçoamento do recenseamento colonial
permitiram à Companhia um maior controlo sobre a população e, consequentemente,
a obtenção de mais receitas resultantes da cobrança dos impostos.
A política
concessionária
A política concessionária da Companhia
de Moçambique baseava-se no direito de posse sobre a terra conferido por uma
Carta Concessionária. Para a Companhia, o arrendamento da terra às empresas
subsidiárias ou aos colonos constituía uma actividade especulativa muito
rentável.
Existiam diferentes tipos de
concessões: concessões mineiras; concessões na infra-estrutura dos transportes;
concessões agrícolas; concessões para construção.
Concessões mineiras
O arrendamento de terrenos para a
exploração de pedras e metais preciosos e de minas em geral, concentrava-se na
actual província de Manica, na qual se vivia o mito do ouro.
Várias sociedades adquiriram claims (terrenos) em volta de Macequece,
iniciando-se a prospeção e exploração mineiras (ouro). Para melhor satisfazer
as necessidades de mão-de-obra barata, com vantagens e facilidades para as
empresas mineiras, a Companhia de Moçambique instalou em Macequece uma
delegação do Serviço dos Negócios Indígenas. O Fundo de Crédito Mineiro
proporcionava aos concessionários a assistência financeira necessária.
Mas pouco desenvolvimento foi atingido
na actividade mineira em Manica e muitos dosempreendedores caíram na
bancarrota, por insuficiência de capitais. Como já havia acontecidona Rodésia
em 1907, o mito do ouro de Manica rapidamente se desvaneceu.
Concessões na
infra-estrutura dos transportes
As concessões mais importantes foram
fritas à The Beira Railway, sociedade
formada com capitais britânicos (da British
Sctth Aftiai Company), que construiu o caminho-de-ferro Beira-Macequece, conforme
o acor de fronteiras de 11 de Junho de 1891. As obras de construção, da Beira a
Unão, foram concluídas a 10 de Julho de 1900.
Em 1925, um contrato celebrado entre a
Companhia de Moçambique e a The Portof
Beira
Development Corporation, culminou com a Construção do
Porto da Beira, concluído em 1929.
Estes empreendimentos permitiram à
Companhia: beneficiar das receitas derivadas dos direitos alfandegários sobre a
importação e exportação e o trânsito de mercadorias de e para a Rodésia; dinamizar
o incremento da agricultura colonial e das minas em Manica, baixando
consideravelmente os custos de transporte; facilitar o escoamento dos
excedentes da produção comercial camponesa.
Estas concessões permitiram também a
integração da economia de Moçambique no espaço económico da África Austral,
mediante uma articulação estrutural directa com necessidades de acumulação de
capital nas colónias vizinhas (Rodésia e África do Sul).
Concessões agrícolas
Só a partir de 1895/96 é que apareceram
algumas concessões de relativa importância. Entre as concessões mais
importantes feitas nesses anos, contam-se: a concessão do Prazo de Gorongosa à
Companhia de Gorongosa (1895); o arrendamento do Prazo de Chupanga à Companhia
de Luabo; concessões de terrenos em Marromeu, Búzi e Moribane, respectivamente,
à Sociedade Açucareira da África Oriental (1900); Companhia Colonial do Búzi
(1898); Companhia de Moribane e muitas outras.
A actividade produtiva agrícola
desenvolveu-se segundo dois eixos principais: economia de plantação com
culturas viradas para o mercado externo, como a sacarina, o coqueiro, a
borracha, o algodão e outras; machambas com culturas de milho, fruticultura e
horticultura.
a) Economia de
plantação
As plantações, monoculturas em grande
escala, exigiam grandes quantidades de capitais, embora dependendo da
mão-de-obra barata (trabalho forçado), e foram desenvolvidas pela Companhia de
Moçambique, por algumas subconcessionárias (Companhia Colonial do Búzi, Companhia
de Açúcar de Moçambique, The Sena Sugar Factory, ...) e também por alguns
colonos nas margens do Zambeze e do Búzi. Deste sector saía, a partir dos anos
20, uma grande parte das exportações do território.
b) A agricultura dos
colonos em Manica e Sofala
A Carta Orgânica da Constituição da
Companhia obrigava-a, perante o governo português, a instalar no seu
território, nos primeiros cinco anos de actividade, mil famílias de colonos
portugueses ou seus descendentes. Neste sentido, a Companhia deveria
providenciar os seguintes adiantamentos aos colonos: habitação; terrenos de
cultura; alfaias agrícolas, fertilizantes e outros insumos.
Os primeiros anos foram desastrosos
para os colonos: mortes, desaparecimentos, fugas para os territórios vizinhos
por motivo de insolvência e troca de agricultura pela actividade comercial foi
o saldadas actividades dos colonos.
A causa do fracasso da colonização teria
residido na falta de capital e de preparação técnica ou de experiência prática
de agricultura, numa altura em que o conhecimento das condições agrícolas da
região eram diminutas. Tal situação tornava-os dependentes do apoiada Companhia
em tudo.
No entanto, a partir de 1910, e com a subida
ao governo do território do ex-chefes circunscrição de Manica, João Peryde
Linde, firme defensor dos interesses dos colonos, a Companhia começou a ganhar
confiança na agricultura dos colonos pela importância que a sua produção
poderia ter no abastecimento do mercado interno, sobretudo da comunidade
colonial, cada vez mais numerosa. Assim, a Companhia intensificou a sua
política de atracção de mais colonos, oferecendo-lhes consideráveis vantagens.
Foram
estas:
·
Crédito agrícola;
·
Assistência técnica (aluguer de
máquinas, fornecimentos de fertilizantes, distribuição de sementes e sacos);
·
Cedência de terras férteis;
·
Facilidades na angariação de
mão-de-obra barata;
·
Facilidade de os colonos pagarem
em longas prestações os preços das suas concessões.
As propriedades dos colonos
concentravam-se ao longo da linha férrea Beira-Macequece e o milho representava
a cultura principal, destinando-se ao consumo interno e à exportação.
Também se praticava a
fruticultura e horticultura.
Entre 1892 e 1942, a história da
agricultura dos colonos foi marcada por uma violenta luta entre a classe dos
agricultores colonos apoiada pela Companhia e o campesinato africano.
O objectivo dos agricultores colonos
era não só transformar o campesinato africano numa força de trabalho barata mas
sobretudo impedir a concorrência da agricultura comercial camponesano mercado,
que ameaçava a sobrevivência da população colona, particularmente daquela que
cultivava milho.
c) A pequena produção
familiar camponesa nos territórios de Manica e Sofala
A agricultura familiar tinha uma
importância relativamente pequena para o equilíbrio abalança comercial do
território, pois, além do algodão, poucos eram os produtos dos camponeses
utilizados para a exportação.
Os produtos que mais se destacavam na
agricultura familiar eram, além do algodão, a borracha, o milho, o arroz, a
mandioca, a mapira, a mexoeira, os feijões e as oleaginosas, cujos excedentes
eram comercializados para complementar a dieta alimentar dos trabalhadores.
A cultura do algodão ocupava o primeiro
lugar entre os produtos destinados à exportação.
A Companhia distribuía gratuitamente as
sementes, detinha o monopólio da comercialização, fixava os preços e garantia a
supervisão geral. Sendo uma cultura quase inteiramente sob o controlo da
Companhia, os camponeses tinham de vender o produto a preços fixados pela mesma,
por vezes muito desvantajosos.
Na economia do território, o milho
representava a cultura mais importante pelo seu papel na alimentação da
população em geral e dos trabalhadores em particular. A mesma importância tinha
a mandioca, dada a sua abundância e facilidade de produção.
Como produtor para o mercado, o
campesinato especializou-se na produção de algodão e na extracção da borracha,
dois dos principais produtos de exportação. Além disso, o campesina toabastecia
o mercado interno com produtos como o milho, a mandioca e outros, destinados alimentação
dos trabalhadores das empresas e outros sectores.
A política laboral
O capitalismo colonial só se podia
desenvolver através do domínio e exploração do trabalho assalariado nas
plantações, nas machambas, nas explorações mineiras e noutros sectores.
Contudo, os camponeses, possuindo meios
de vida próprios, não tinham no trabalho assalariado a sua fonte de
sobrevivência. Para levar os camponeses com terras e outros meios atornarem-se
assalariados foi necessário desde logo uma violência extra-económica capaz de
os arrastar para o trabalho assalariado e também forçado.
O campesinato encontrava na produção
doméstica uma fonte suficientemente remunerada para as suas necessidades,
manifestando-se pouco receptivo às solicitações de trabalho. Por isso, a
Companhia de Moçambique teve de utilizar outros métodos para garantir o
fornecimento de mão-de-obra a preços baixos e o consequente desenvolvimento da
economia colonial. A primeira medida tomada foi a institucionalização do
imposto em dinheiro.
Para centralizar o recrutamento e a
distribuição de mão-de-obra, criou-se, em 1895, a Inspecção-geral dos Negócios
Indígenas, repartição central responsável pela direcção superior de todos os
assuntos relativos às relações com a população africana, particularmente a
cobrança de impostos e o fornecimento de trabalhadores para os serviços da
Companhia e de particulares, bem como a relação com os chefes tribais.
Em 1907, entrou em vigor a principal
legislação de trabalho aprovado pelo governo português para o território,
nomeadamente: o Regulamento Geral do Trabalho dos Indígenas no território da
Companhia de Moçambique; o Regulamento para Fornecimento de Indígenas a
Particulares no Território de Manica e Sofala; o Regulamento para o
Recrutamento de Indígenas de Manicae Sofala. Três aspectos essenciais ressaltam
desses regulamentos:
a) A
institucionalização do trabalho forçado
Impunha-se, pela lei, a obrigatoriedade
de prestação de trabalho assalariado por todos os indivíduos em idade activa.
Nos termos dessa lei, o camponês via-se perante um dilema: ou vender
coercivamente a sua força de trabalho ou dedicar-se a culturas viradas para a
exportação em ambos os casos, em detrimento da economia familiar de subsistência.
b) Estabelecimento de
um rigoroso sistema de controlo da força de trabalho
A Companhia determinou que cada
trabalhador devia ser portador de um certificado declarando o tempo de serviço
prestado e as respectivas datas de início e de termo do contrato. Para complementar
esta medida, em 1926/7 entrou em vigor o regime de Caderneta de Identificação Indígena
para os indivíduos do sexo masculino com idade aparente ou provada superior a14
anos. Na referida caderneta registavam-se os contratos de trabalho cumpridos e
a sua história criminal. Os chefes de circunscrição e os seus subordinados,
régulos ou Inhacuacua, chefes de povoação
ou fumos, sipaios e outros auxiliares foram incumbidos de garantir o
cumprimento deste sistema.
c) Interdição de
recrutamento para serviços fora do território
A chamada emigração clandestina foi
considerada crime e, como tal, punida com penas que iam até 20 meses de
trabalho forçado sem remuneração. Um policiamento rigoroso devia impedira fuga
dos trabalhadores para fora do território, em particular para a Rodésia do Sul,
Niassalândia, África do Sul ou outras partes da colónia.
Estas medidas não só permitiram à
Companhia minimizar o problema da escassez da mão-de-obra, como possibilitaram o
pagamento de baixos salários, mesmo aos trabalhadores classificados como
«voluntários».
Tiveram como
consequências:
·
Fugas para os países vizinhos ou
outras zonas da Colónia;
·
Adopção, por parte dos camponeses,
de nomes falsos;
·
Falta de mão-de-obra;
·
A Revolta de Báruè de 1905 e 1917.
Face à crise, João Pery de Linde
decidiu criar, em 1911, a Repartição do Trabalho Indígena(RTI), com a função de
centralizar a procura e oferta de mão-de-obra. Persuadiu os donos dasquintas a
aceitarem trabalhadores provenientes dos distritos de Moçambique, Tete e
Zambézia, além da mão-de-obra recrutada localmente. Mais tarde (1926/7), a
angariação de trabalhadores para serviços particulares deixou de ser feita
pelos funcionários da Companhia, passando a ser feita pela Associação do
Trabalho Indígena.
Conclusão
O regime de impostos obrigatórios foi
um dos instrumentos fundamentais de compulsão do campesinato para o trabalho
assalariado e uma das principais fontes directas de obtenção de receitas por
parte da Companhia.
No início (1890), este imposto podia
ser cobrado em dinheiro ou géneros. A partir de 1894, passou a ser cobrado
obrigatoriamente em dinheiro. O não cumprimento desta obrigação era punido com
trabalho forçado durante o número preciso de dias necessário para que se perfizesse
quantitativo do imposto, acrescentado de 50%.
Verificou-se também que só a partir de 1895/96 é que apareceram algumas concessões de relativa importância. Entre as concessões mais importantes feitas nesses anos, contam-se: a concessão do Prazo de Gorongosa à Companhia de Gorongosa (1895);
Bibliografia
·
PEREIRA, José Luís Barbosa, Pré-Universitário – História 12, 1ª
edição, Longman Moçambique, Maputo, 2010