Mar Me Quer - Vida e Obra de Mia Couto (Resumo)
VIDA E OBRA DE MIA COUTO
VIDA
António Emílio Leite Couto, ou simplesmente
Mia Couto, nascido em Moçambique na Província de Beira, aos 05 de Julho de
1955, é um biólogo e escritor moçambicano. Estudou na cidade de Sofala em Baira
e aos 14 anos já tinha alguns poemas publicados no Jornal Notícias da Beira, e em 1971 mudou-se para cidade de Maputo.
Iniciou os seus estudos universitários em medicina mas largou no princípio do
3º ano e passou a exercer a função de joprnalista em 1974. Foi nomeado como
director da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou
ligações de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da
guerra de libertação. Em 1983, publicou o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho, que, segundo
algumas interpretações, inclui poemas contra a propaganda marxista militante. Dois anos depois,
demitiu-se da posição de diretor para continuar os estudos universitários na
área de biologia. Além de considerado um dos escritores mais importantes de
Moçambique, é o escritor moçambicano mais traduzido.
Trabalho como biólogo
Como biólogo,
dirige a Avaliações de Impacto Ambiental, IMPACTO Lda., empresa que faz estudos
de impacto ambiental, em Moçambique. Mia Couto tem realizado pesquisas em
diversas áreas, concentrando-se na gestão de zonas costeiras. Além disso, é
professor da cadeira de ecologia em diversos cursos da Universidade Eduardo
Mondlane (UEM)
OBRAS
Mia Couto tem uma obra literária extensa e
diversificada, incluindo poesia, contos, romance e crónicas.
Muitos dos livros de Mia Couto são publicados em mais
de 22 países e traduzidos em alemão, francês, castelhano,catalão, inglês e italiano.
Poesia
Estreou-se
no prelo com um livro de poesia, Raiz
de Orvalho, publicado em 1983. Este livro revela o mesmo comportamento
literário de estreita relação com a tradição e memória cultural africanas que
evidenciam a orientação regionalista, marcante em toda a sua criação literária.
A poesia “Sotaque da terra” aborda sentimentos impostos por condições
históricas diretamente ligados à realidade do povo africano: a língua, a terra
e a tradição.
No
entanto, antes tinha sido antologiado por outro dos grandes poetas
moçambicanos, Orlando
Mendes (outro
biólogo), em 1980, numa edição do Instituto Nacional do Livro e do Disco,
resultante duma palestra na Organização Nacional dos Jornalistas (actual
Sindicato), intitulada "Sobre Literatura Moçambicana".
Em
1999, a Editorial
Caminho (que publica
as obras de Mia Couto em Portugal)
relançou Raiz de Orvalho e outros poemas que teve sua 3ª edição em 2001.
A
mesma editora dá ao prelo em 2011 o seu segundo livro de poesia, "Tradutor
de Chuvas".
Contos
Nos meados dos anos 80, Mia Couto estreou-se nos contos e numa nova maneira de falar - ou
"falinventar" - português, que continua a ser
o seu "ex-libris". Nesta categoria de contos publicou:
Contos
Publicados:
·
Vozes Anoitecidas (1ª
ed. da Associação dos
Escritores Moçambicanos, em 1986; 1ª ed.
Caminho, em 1987; 8ª ed. em 2006; Grande Prémio da Ficção Narrativa em 1990, ex aequo)
·
Cada Homem é uma Raça (1ª
ed. da Caminho em 1990; 9ª ed., 2005)
·
Estórias Abensonhadas (1ª
ed. da Caminho, em 1994; 7ª ed. em 2003)
·
Contos do Nascer da
Terra (1ª
ed. da Caminho, em 1997; 5ª ed. em 2002)
·
Na Berma de Nenhuma Estrada (1ª
ed. da Caminho em 1999; 3ª ed. em 2003)
·
O Fio das Missangas (1ª
ed. da Caminho em 2003; 4ª ed. em 2004)
·
Inundação
Crónicas
Para além disso, publicou em livros algumas das suas crónicas,
que continuam a ser coluna num dos semanários publicados em Maputo,
capital de Moçambique:
Crónicas Publicadas
·
Cronicando (1ª
ed. em 1988; 1ª ed. da Caminho em 1991; 7ª ed. em 2003; Prémio Nacional de
Jornalismo Areosa Pena,
em 1989)
·
O País do Queixa Andar (2003)
·
Pensatempos. Textos de
Opinião (1ª
e 2ª ed. da Caminho em 2005)
·
E se Obama fosse
Africano? e Outras Interinvenções (1ª
ed. da Caminho em 2009)
Romances
Publucados
E,
naturalmente, não deixou de lado o género romance,
tendo publicado as obras:
·
Terra Sonâmbula (1ª
ed. da Caminho em 1992; 8ª ed. em 2004; Prémio Nacional de Ficção da Associação dos
Escritores Moçambicanos em
1995; considerado por um juri na Feira Internacional do Zimbabwe um
dos doze melhores livros africanos do século
XX)
·
A Varanda do
Frangipani (1ª
ed. da Caminho em 1996; 7ª ed. em 2003)
·
Mar Me Quer (1ª
ed. Parque EXPO/NJIRA em 1998, como contribuição para o
pavilhão de Moçambique na Exposição Mundial EXPO
'98 em Lisboa;
1ª ed. da Caminho em 2000; 8ª ed. em 2004)
·
Vinte e Zinco (1ª
ed. da Caminho em 1999; 2ª ed. em 2004)
·
O Último Voo do
Flamingo (1ª
ed. da Caminho em 2000; 4ª ed. em 2004; Prémio Mário António de Ficção em 2001)
·
O Gato e o Escuro,
com ilustrações de Danuta
Wojciechowska (1ª
ed. da Caminho em 2001; 2ª ed. em 2003), com ilustrações de Marilda Castanha
(1ª ed. brasileira, da Cia. das Letrinhas, em 2008)
·
Um Rio Chamado Tempo,
uma Casa Chamada Terra (1ª
ed. da Caminho em 2002; 3ª ed. em 2004; rodado em filme pelo
português José Carlos Oliveira)
·
A Chuva Pasmada,
com ilustrações de Danuta Wojciechowska (1ª ed. da Njira em 2004)
·
O Outro Pé da Sereia (1ª
ed. da Caminho em 2006)
·
O beijo da palavrinha,
com ilustrações de Malangatana (1ª
ed. da Língua Geral em 2006)Editora Caminho.
·
Venenos de Deus,
Remédios do Diabo (2008)
·
Jesusalém [no Brasil,
o livro tem como título Antes de nascer o mundo] (2009)
·
Pensageiro frequente (2010)
·
A Confissão da Leoa (2012)
·
Mulheres de cinzas (primeiro
volume da trilogia As Areias
do Imperador) (2015)
Prémios
·
1995 - Prémio Nacional
de Ficção da
Associação dos Escritores Moçambicanos
·
1999 - Prémio Vergílio
Ferreira, pelo conjunto da sua obra
·
2001 - Prémio Mário
António, pelo livro O último voo do flamingo
·
2007 - Prémio União
Latina de Literaturas Românicas
·
2007 - Prêmio
Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de
Literatura
·
2012 - Prémio Eduardo
Lourenço 2012
·
2013 - Prémio Camões 2013[10][11][12]
·
2014 - Neustadt
International Prize for Literature[1]
Resumo da Obra MAR ME
QUER
A trama narrativa de Mar me
quer, em forma de novela, tece se em pano africano com crenças e vivências de
gentes moçambicanas que vivem no litoral de Moçambique e usam o mar para lhe
roubarem o peixe que os alimenta. E é com o mar que se estabelecem relações
de vida e de morte, é o mar que determina esse desenrolar de (a)casos
fulcrais para as personagens. A obra narra a história de dois vizinhos, já
avançados no tempo. Zeca Perpétuo, para conquistar sua vizinha, Luarmina
(luarmina?), vai desfiando, a seu pedido, suas memórias, que ao final acabam
entrelaçando se na história dela, num enovelar de segredos entrançados que se
vão sendo revelados ao mesmo tempo, durante a narrativa, ao leitor e ao
narrador, resultando num desfecho surpreendente. |
Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma
trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos
querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a
falecer. – Levanta, ó dono das preguiças. É o mando de minha vizinha, a mulata
Dona Luarmina. Eu respondo: -Preguiçoso? Eu ando é a embranquecer as palmas das
mãos. -Conversa de malandro… – Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho é que
escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu só presto é para viver… Ela ri
com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só para dar rosto à
tristeza. – Você, Zeca Perpétuo, até parece mulher… – Mulher, eu? – Sim, mulher
é que senta em esteira. Você é o único homem que eu vi sentar na esteira. – Que
quer vizinha? Cadeira não dá jeito para dormir. Ela se afasta, pesada como
pelicano, abanando a cabeça. Minha vizinha reclama não haver homem com miolo
tão miúdo como eu. Diz que nunca viu pescador deixar escapar tanta maré:
– Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da vida. – A
vida, Dona Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia
meu avô Celestiano sobre pensarmos Deus ou não Deus…
Além disso, pensar traz muita pedra e pouco
caminho. Por isso eu, um reformado do mar o que me resta fazer? Dispensado de
pescar, me dispenso de pensar. Aprendi nos muitos anos de pescaria: o tempo
anda por ondas. A gente tem é que ficar levezinho e sempre apanha boleia numa
dessas ondeações. – Não é verdade, Dona Luarmina? A senhora sabe essas línguas
da nossa gente. Me diga, minha Dona: qual é a palavra para dizer futuro? Sim,
como se diz futuro? Não se diz, na língua deste lugar de África. Sim, porque
futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver. Então eu me suficiento do
actual presente. E basta. – Só eu quero é ser um homem bom, Dona. – Você é mas
é um aldrabom.
A gorda mulata não quer amolecer conversa. E tem
razão, sendo minha vizinha desde há tanto. Ela chegou ao bairro depois da morte
de meus pais, quando herdei a velha casa da família. Nessa altura, eu ainda
pescava em longas viagens, semanas de ausência nos bancos de Sofala. Nem notava
a existência de Luarmina. Também ela, logo que desembarcou, se internou na
Missão, em estágio para freira. Ficou enclausurada nessas penumbras onde se
murmura conversa com Deus. Só uns anos mais tarde ela saiu dessa reclusão. E se
instalou na casa que os padres lhe destinaram, bem junto à minha morada.
Luarmina costureirava, era seu sustento. Nos primeiros tempos, ela continuava
sem se dar às vistas. Só as mulheres que entravam em seus domínios é que lhe
davam conta. No resto, me chegavam apenas os perfumes de sua sombra. Um dia o
padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego,
um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moçambique, do lado de 1á da
baía de S. Vicente. Já se antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo
depois. Dizem que de desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da
filha. Ao que parece, Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em
redor da casa. A senhora maldizia a perfeição de sua filha. Diz-se que,
enlouquecida, certa noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. Só para a
esfeiar e, assim, afastar os candidatos.
Depois da morte da mãe, enviaram Luarmina para o
lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entregue a reza e crucifixo. Havia
que arrumar a moça por fora, engomá-la por dentro. E foi assim que ela se
dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para sua actual moradia,
nos arredores de minha existência.
Só bem depois de me retirar das pescarias é que dei
por mim a encostar desejos na vizinha. Comecei por cartas, mensagens à
distância. À custa de minhas insistências namoradeiras Luarmina já aprendera as
mil defesas. Ela sempre me desfazia os favores, negando-se. – Me deixa
sossegada, Zeca. Não vê que eu já não desengomo lençol? – Que ideia, Dona vizinha?
Quem lhe disse que eu tinha essa intenção? Todavia, ela tem razão. Minhas
visitas são para lhe caçar um descuido na existência beliscar-lhe uma ternura.
Só sonho sempre o mesmo: me embrulhar com ela, arrastado por essa grande onda
que nos faz inexistir. Ela resiste, mas eu volto sempre ao lugar dela. – Dona
Luarmina, o que é isso? Parece ficou mesmo freira. Um dia, quando o amor lhe
chegar, você nem o vai reconhecer… – Deixe-me, Zeca. Eu sou velha, só preciso é
um ombro.
Confirmando esse atestado de inutensílio, ela
esfrega os joelhos como se fossem eles os culpados do seu cansaço. As pernas
dela da maneira como incham, dificultam as vias do sangue. Lhe icebergam os
pés, a gente toca e são blocos de gelo. E ela sempre se queixa. Um dia
aproveitei para me oferecer: – Quer que lhe aqueça os pés? Arrepiando
expectativa, ela até aceitou. Até eu fiquei assim, meio desfisgado, o coração
atropelando o peito. – Me aquece, Zeca? – Sim, aqueço mas… pela parte de
dentro.