Feitiçaria
A complexidade do relacionamento entre a modernidade e a globalização apontam para a relevância do estudo da feitiçaria em África. No Moçambique pós-colonial, suspeitas e acusações de práticas de feitiçaria surgem constantemente demonstrando que a aplicação de vários modelos de desenvolvimento e modernização não conduziram à libertação em relação a práticas obscurantistas. Assim se explica como a religião e a feitiçaria se mantêm como uma das mais poderosas retóricas da cultura política africana.
Nos boatos
a feitiçaria é apresentada como o modo mais comum de alcançar sucesso, riqueza
e prestígio em épocas de declínio económico e escassas oportunidades de
promoção social.
No espaço
doméstico, os conflitos familiares e sociais cristalizam-se constantemente em
torno de acusações de feitiçaria, sobretudo quando ocorrem mortes inexplicáveis
ou desastres pessoais. Permeando todo o espectro social e cultural, a
feitiçaria sobressai hoje como uma força ambivalente que ajuda a promover a
acumulação individual e colectiva, actuando simultaneamente como mecanismo de controle
das diferenças sociais.
Todavia, a
dimensão oculta da política em África é frequentemente ignorada pelos estudos
políticos e sociais. Este projecto tem por objectivo chamar a atenção dos
vários agentes sociais para as dimensões simbólicas ocultas em práticas
correntes, desenvolvidas como um discurso de resistência face ao exercício do
poder por forças não reconhecidas como legítimas. Assim, o discurso da
feitiçaria representa uma modernidade alternativa, forjada na confluência de
vários saberes e práticas. Uma abordagem preliminar aponta para o facto de não
se tratar de um problema marginal no espectro político-social, mas antes de uma
dimensão central à natureza da autoridade pública da liderança e das identidades
em Moçambique. Este projecto visa desenvolver uma dimensão histórica e
comparativa, em função do mosaico religioso e político da África contemporânea,
recolocando a leitura das realidades e das crenças tradicionais em contextos
actuais. Partindo da hipótese que as mudanças e continuidades dos significados
e reconfigurações culturais da feitiçaria no período colonial e pós-colonial
demonstraram que as referências culturais não foram destruídas pelo processo,
antes se adaptando e reconfigurando constantemente. Uma análise aprofundada no
relacionamento entre a feitiçaria, a política e o direito permitirá lançar nova
luz sobre a questão da inovação social e cultural no país. O projecto procura
uma compreensão mais abrangente destes fenómenos, antevendo que a discussão e
exposição pública poderia funcionar como um factor de prevenção de potenciais
situações de conflito que de outra forma seriam descritas como obscurantistas,
promovendo simultaneamente uma melhor percepção das paisagens de conflito no país.
Os dados resultantes da pesquisa irão contribuir para a criação de novas
abordagens na luta pela promoção de uma forte afirmação de uma cultura de
direitos humanos e interculturalidade, simultaneamente num contexto local,
nacional e internacional.
Bibliografia
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