A Historiografia Cristã Antiga
Surgimento e Difusão do Cristianismo
O cristianismo surgiu na Palestina durante o momento da conquista daquele território pelos romanos.
A invasão do território pelos romanos aconteceu numa altura em que os judeus tinham passado por outras experiências de sofrimento e aguardavam, conforme a mensagem dos profetas, pela chegada de um Messias que lhes iria libertar.
Durante o domínio dos romanos apareceu Jesus Cristo, transmitindo uma mensagem de amor, justiça, paz e de esperança. A partir daí ficou claro que aquele era o Messias anunciado e, todos propuseram-se a segui-lo. Nascia assim uma nova era, uma nova filosofia de vida e uma ideologia religiosa que nunca mais parariam de crescer.
O Cristianismo apresenta uma mensagem social e ecuménica, ao defender valores como a justiça social, o amor ao próximo, a igualdade entre os homens, entre outros contrários ao ambiente de escravidão em que se vivia.
Devido a este seu carácter ecuménico e social o cristianismo foi, inicialmente, visto pelas classes dominantes como uma ameaça ao seu poder, sendo, por isso, alvo de perseguições. Entretanto as ideias cristãs foram progressivamente atraindo mais e mais aderentes entre as camadas pobres, pelo apesar do bloqueio, registou uma evolução contínua.
Não podendo travar o crescimento do cristianismo as autoridades começaram a fazer cedências que culminaram a sua elevação à Religião oficial do Estado em 391.
A concepção cristã da História Em que medida o Cristianismo influenciou o pensamento da época e, em particular da Historiografia? Mais do que uma ideologia religiosa o Cristianismo era também uma maneira de ver e pensar o mundo: o Cristianismo apresenta a sua própria concepção sobre a origem e o destino do mundo. Aliás, isto não é novidade.
Quando se vai a Bíblia encontra-se lá uma explicação sobre a origem do Homem e, sobre o destino que lhe espera, pois então, nesta ideologia esta é que é a concepção do mundo. Segundo o cristianismo a história é um combate constante entre Lúcifer (o mal) e Deus (o bem) e a sua trajectória, irreversível e oposta a concepção cíclica defendida pelos gregos e romanos, começa com o pecado original, passa pela redenção e termina com o juízo final.
A ideia principal é que, devido ao pecado original, o homem espalhou em toda a terra o pecado e, Cristo veio ao mundo para restabelecer a ordem e fazer triunfar a igreja, numa luta que terminará com o juízo final, altura em que o reino de Deus triunfará.
Deste modo a terra é apenas um lugar transitório para a expiação e redenção do pecado e o homem em vida tem, pois, a oportunidade de se preparar para o juízo final. Portanto, pode-se afirmar que a história cristã é a aplicação da concepção cristã modelada por Santo Agostinho no seu livro “A Cidade de Deus” no qual dizia:
“Os romanos foram honrados em quase todas as nações; impuseram as leis da sua hegemonia a muitos povos; hoje, as letras e a história celebram-nos em quase todas as raças. Não têm motivo para queixar-se da justiça do Deus supremo e verdadeiro: eles receberam a sua recompensa; os judeus, que tinham morto Cristo foram justamente entregues aos Romanos, para glória destes. Aqueles que, pelas suas virtudes, seja qual for a maneira por que devamos julgá-los, procuraram e obtiveram glória terrestre deviam vencer aqueles que, com seus enormes vícios, mataram e recusaram o dispensador da verdadeira glória e da cidade eterna”
Para a formulação e fundamentação da concepção cristã do mundo recorreu-se a uma série de fontes que podem ser agrupadas em duas categorias: as fontes doutrinárias e as históricas. Muitos documentos históricos foram destruídos alegadamente por serem apócrifos, ou seja inautênticos.
O que acha caro aluno da destruição das fontes identificadas como falsas ou inautênticas? É justo ou não que sejam destruídas? A primeira vista parece correcto que sejam destruídas, mas pensando um pouco percebe-se que não é tão correcto.
Senão vejamos: para nós nos certificarmos que houve falsificação precisamos de ter os tais documentos falsos. Portanto destruir os documentos tidos como falsos é historicamente condenável, pois em história as fraudes são também matéria de estudo.
Portanto, não parece que a real razão para que fossem destruídos fosse a sua falsidade mas o facto de apresentar uma informação distinta da que era dada pelas fontes doutrinárias, abrindo espaço para o questionamento destas.
Portanto tratava-se de fontes que punham em causa a unidade doutrinária. Daqui conclui-se que a história cristã foi elaborada com base em informações tendenciosas previamente seleccionadas e por isso, construiu uma visão de história humana com um ponto de vista apologético.
Os Historiadores Cristãos
Eusébio de Cesareia (260 – 339) Foi o principal obreiro da história cristã. Produziu uma crónica que consistia de uma cronografia e de cânones cronológicos. A cronografia resumia a história universal povo por povo, argumentando a favor da prioridade, no tempo, de Moisés e da Bíblia.
Os cânones eram tábuas cronológicas que assinalavam os sincronismos entre a história sagrada e profana. A cronologia bíblica começa com a data da criação, seguindo-se a do povo judeu até ao nascimento de Cristo, com o qual começava a história cristã. A história eclesiástica de Eusébio, bem documentada ia de Cristo até a fundação de Constantinopla. Eusébio trouxe para primeiro plano da história cristã os judeus.
Cassiodoro (487-583) Reuniu e traduziu do grego três historiadores eclesiásticos, continuadores da história de Eusébio, nomeadamente Sócrates, Sozômeno e Teodoreto. Escreveu também uma história gótica e uma crónica da época de Adão até ao ano 519.
Santo Agostinho (354 – 418) Foi o autor da primeira filosofia cristã de história. O seu livro “De Civitae Dei” (A cidade de Deus) foi uma tentativa de negar a afirmação dos pagãos segundo a qual a tomada de Roma por Odoraco e os saques dos vândalos eram motivados pelo desapego à antiga religião romana.
Paulo Orósio (até 418) Procurou mostrar em “Sete Livros de História Contra os Pagãos ”que os tempos anteriores a Cristo tinham sido muito mais tempestuosos do que os posteriores, como forma de rejeitar a ideia de que as desgraças que se abatiam sobre a sociedade romana, em especial as invasões dos bárbaros, resultavam do abandono das religiões anteriores a Cristo.
Com a obra de Eusébio e com as continuações de Sozômeno, Sócrates e Teodoreto e ainda o manual latino que deles tirou Cassiodoro formou-se o corpo da História da igreja que alimentou a idade média. Foi do Cristianismo a autoria da primeira filosofia da história, a tentativa de determinar as leis por que se rege a história.
Os seus defensores procuraram mostrar como o mundo seguiu um desígnio de Deus na sua longa preparação para o advento de Cristo.
A partir desse ponto central a humanidade continuaria uma marcha de sofrimentos até ao juízo final. Esta ideia foi exposta por S. Agostinho no seu livro “Cidade de Deus” e a demonstração coube a Paulo Orósio no seu “Sete Livros de História Sobre os Pagãos”, uma continuação da “Cidade de Deus”. É portanto uma história providencialista, em que a evolução da humanidade aparece como providência divina.