DESASTRES NATURAIS – SISMOS, EROSÃO E SECA

 Desastres naturais: sismos e erosão

Seca

Apresentação do Texto

Dona Genoveva

É tempo das chuvas. Porém, nem até ao mais distante horizonte de mar se vê uma nuvem. O calor está cheio de poeira leve e as cigarras desfazem-se em gritos para o sol. É seca.

A água começa a faltar nas cisternas caiadas de branco e em cujo fundo repousam pedaços de ferro. Formam-se filas de gente com garrafões para encher na cisterna municipal de água paga e racionada. Mas Dona Genoveva, que vive num bairro de casas maticadas com tecto de macuti e sem cisterna, ali em Cumisseti, não está preocupada com a seca.

No seu quintalzinho, rodeado de cerca de caniço de um metro e meio de altura, onde esgravatam meia dúzia de galinhas, ali no quintalzinho há uma nascente de água doce.

Dona Genoveva faz a sua lida de casa, come o seu caril de peixe ou de camarão, trata das flores (ela tem uma buganvília a crescer num vaso de barro) e a seca não a atingiu.

De vez em quando sai, vai ao bazar comprar frutas ou amendoim, gosta de sentir o cheiro das pessoas e a humidade do chão, conversa com os vendedores e nunca volta sem tomar um pouco de chá na mesa comprida onde mais gente está também.

Uma certa manhãzinha, Dona Genoveva abre a porta de casa, espreguiça-se compridamente, boceja.

Endireita-se e, no quase lusco-fusco matutino, sente uma grande, enorme, incomensurável indignação: sentada junto da sua nascente, encostada à paliçada e de pernas estendidas, uma mulher espera paciente que a lata que trouxe se encha.

Dona Genoveva aproxima-se dela:

- Que fazes tu aqui roubando a minha água?

A mulher compõe o lenço que lhe esconde o cabelo e responde lenta e sem mudar posição:

- Esta água não é tua.

Dona Genoveva franze o sobrolho muito irritada.

- É sim. Está no meu quintal.

A mulher levanta-se. Pega na lata cheia onde mete um galho de árvore que fica aflorando, põe-na à cabeça e diz:

- Está no teu quintal porque Deus a pós aqui. E o que é de Deus é de todos. Por isso levo esta água.

Dona Genoveva não pós cadeado. E enquanto não chegar as chuvas, senta-se cá fora a conversar com as mulheres que vêm pela tarde buscar água de Deus.

Glória de Sant’Ana

In Jornal Letras e Letras, 04-04-1991

Vocabulário

Cigarra – nome de um insecto ruídos                      Macuti – palha

Cisterna – reservatório de água da chuva             Esgravatar – remexer o chão com as unhas

Caiadas – pintado de cal                                           Lusco-fusco – meia claridade

Maticadas – revestidas em barro                           Incomensurável – sem medida comum


 
 

 

 


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