Transtornos de Aprendizagem
A aprendizagem vem sendo estudada cientificamente desde o século passado, embora tenha tomado maior espaço e relevância no meio acadêmico entre as décadas de 1950 e 1970. Junto com os avanços obtidos com as pesquisas, diversos conceitos foram apresentados como uma tentativa de melhor explicar a aprendizagem e como se dá o seu processo. Apesar de existir diferentes conceitos, todos eles concordam que a aprendizagem implica numa relação bilateral, tanto da pessoa que ensina como da que aprende. Dessa forma, a aprendizagem é melhor definida como um processo evolutivo e constante, que envolve um conjunto de modificações no comportamento do indivíduo, tanto a nível físico como biológico, e do ambiente no qual está inserido, onde todo esse processo emergirá sob a forma de novos comportamentos.
Sendo a aprendizagem um processo constituído
por diversos fatores, é importante ressaltar que além do aspecto fisiológico
referente ao aprender, como os processos neurais ocorridos no sistema nervoso,
as funções psicodinâmicas do indivíduo necessitam apresentar um certo
equilíbrio, sob a forma de controle e integridade emocional para que ocorra a
aprendizagem. Entretanto, "o desenvolvimento harmonioso da aprendizagem
representa um ideal, uma norma utópica, mais do que uma realidade. Dessa forma,
o normal e o patológico na aprendizagem escolar, assim como no equilíbrio
psicoafetivo, não podem ser considerados como dois estados distintos um do
outro, separados com rigor por uma fronteira ou um grande
fosso"(Ajuriaguerra e Marcelli in Möojen, 2001).
Definição
de Transtornos de Aprendizagem
Os Transtornos de Aprendizagem compreendem uma
inabilidade específica, como leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que
apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para o seu nível de
desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual.
Em 1988, o National Joint Comittee on Learning
Disabilities apresentou uma conceituação muito bem aceita e aplicada sobre os
problemas de aprendizagem:
"Dificuldade de aprendizagem é um termo
geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos manifestados por
dificuldades significativas na aquisição e uso da escuta, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estes transtornos são
intrínsecos ao indivíduo, supondo-se que são devido à disfunção do sistema
nervoso central, e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir junto
com as dificuldades de aprendizagem, problemas nas condutas de auto-regulação,
percepção social e interação social, mas não constituem por si próprias, uma
dificuldade de aprendizado. Ainda que as dificuldades de aprendizado possam
ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes como, por
exemplo, transtornos emocionais graves ou com influências extrínsecas (tais
como as diferenças culturais, instrução inapropriada ou insuficiente), não são
o resultado dessas condições ou influências".
Atualmente, a descrição dos Transtornos de
Aprendizagem é encontrada em manuais internacionais de diagnóstico, tanto no
CID-10, elaborado pela Organização Mundial de Saúde (1992), como no DSM-V,
organizado pela Associação Psiquiátrica Americana (2013). Ambos os manuais
reconhecem a falta de exatidão do termo "transtorno", justificando
seu emprego para evitar problemas ainda maiores, inerentes ao uso das
expressões "doença" ou "enfermidade".
Causas
de Transtorno de Aprendizagem
De acordo com o DSM-V, o transtorno específico
da aprendizagem é um transtorno do neurodesenvolvimento com uma origem
biológica que é a base das anormalidades no nível cognitivo as quais são
associadas com as manifestações comportamentais. A origem biológica inclui uma
interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais que influenciam a
capacidade do cérebro para perceber ou processar informações verbais ou não
verbais com eficiência e exatidão.
A real etiologia dos Transtornos de
Aprendizagem ainda não foi esclarecida pelos cientistas, embora existam algumas
hipóteses sobre suas causas. Sabe-se que sua etiologia é multifatorial, 6 porém
ainda são necessárias pesquisas para melhor identificar e elucidar essa
questão.
O CID-10 esclarece que a etiologia dos
Transtornos de Aprendizagem não é conhecida, mas que há "uma suposição de
primazia de fatores biológicos, os quais interagem com fatores
não-biológicos". Ambos os manuais informam que os transtornos não podem
ser consequência de:
·
Falta de oportunidade de aprender;
·
Descontinuidades educacionais
resultantes de mudanças de escola;
·
Traumatismos ou doença cerebral
adquirida;
·
Comprometimento na inteligência
global;
·
Comprometimentos visuais ou
auditivos não corrigidos;
Atualmente, acredita-se na origem dos
Transtornos de Aprendizagem a partir de distúrbios na interligação de
informações em várias regiões do cérebro, os quais podem ter surgido durante o
período de gestação.
O desenvolvimento cerebral do feto é um fator
importante que contribui para o processo de aquisição, conexão e atribuição de
significado às informações, ou seja, da aprendizagem. Dessa foram, qualquer
fator que possa alterar o desenvolvimento cerebral do feto facilita o
surgimento de um quadro de Transtorno de Aprendizagem, 4 que possivelmente só
será identificado quando a criança necessitar expressar suas habilidades
intelectuais na fase escolar.
Existem fatores sociais que também são
determinantes na manutenção dos problemas de aprendizagem, e entre eles o
ambiente escolar e contexto familiar são os principais componentes desses
fatores. 6 Quanto ao ambiente escolar, é necessário verificar a motivação e a
capacitação da equipe de educadores, a qualidade da relação
professor-aluno-família, a proposta pedagógica, e o grau de exigência da
escola, que, muitas vezes, está preocupada com a competitividade e põe de lado
a criatividade de seus alunos. Em relação ao ambiente familiar, famílias com
alto nível sociocultural podem negar a existência de dificuldades escolares da
criança. Há também casos em que a família apresenta um nível de exigência muito
alto, com a visão voltada para os resultados obtidos, podendo desenvolver na
criança um grau de ansiedade que não permite um processo de aprendizagem
adequado.
Tipos
de Transtornos de Aprendizagem
Tanto o CID-10, como o DSM-V apresentam
basicamente três tipos de transtornos específicos: o Transtorno com prejuízo na
leitura, o Transtorno com prejuízo na matemática, e o Transtorno com prejuízo
na expressão escrita. A caracterização geral destes transtornos não difere
muito entre os dois manuais.
1. Transtorno da Leitura
O Transtorno da Leitura, alternativamente
conhecido como dislexia, é um transtorno caracterizado por problemas no
reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e
dificuldade de ortografia. Dessa forma, pode-se afirmar que se trata de um
transtorno específico das habilidades de leitura, que sob nenhuma hipótese está
relacionado à idade mental, problemas de acuidade visual ou baixo nível de
escolaridade.
O DSM-V classifica como critérios diagnósticos
para o Transtorno da Leitura:
·
Leitura de palavras de forma
imprecisa ou lenta e com esforço (p. ex., lê palavras isoladas em voz alta, de
forma incorreta ou lenta e hesitante, frequentemente adivinha palavras, tem
dificuldade de soletrá-las).
·
Dificuldade para compreender o
sentido do que é lido (p. ex., pode ler o texto com precisão, mas não
compreende a seqüência, as relações, as inferências ou os sentidos mais
profundos do que é lido).
2. Transtorno da Matemática
O Transtorno da Matemática, também conhecido
como discalculia, não é relacionado à ausência de habilidades matemáticas
básicas, como contagem, e sim, na forma com que a criança associa essas habilidades
com o mundo que a cerca.
A aquisição de conceitos matemáticos e outras
atividades que exigem raciocínio são afetadas neste transtorno, cuja baixa capacidade
para manejar números e conceitos matemáticos não é originada por uma lesão ou
outra causa orgânica. Em geral, o Transtorno da Matemática é encontrado em
combinação com o Transtorno da Leitura ou Transtorno da Expressão Escrita.
·
O Transtorno da Matemática,
segundo o DSM-V, é caracterizado por:
Dificuldades para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo (p. ex.,
entende números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória; conta com os
dedos para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético,
como fazem os colegas; perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar
as operações).
·
Dificuldades no raciocínio (p.
ex., tem grave dificuldade em aplicar conceitos, fatos ou operações matemáticas
para solucionar problemas quantitativos).
3. Transtorno da Expressão Escrita
Um transtorno apenas de ortografia ou
caligrafia, na ausência de outras dificuldades da expressão escrita, em geral,
não se presta a um diagnóstico de Transtorno da Expressão Escrita. Neste
transtorno geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade de
compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação dentro
das frases, má organização dos parágrafos, múltiplos erros ortográficos ou
fraca caligrafia, na ausência de outros prejuízos na expressão escrita.
Em comparação com outros Transtornos de
Aprendizagem, sabe-se relativamente menos acerca do Transtorno da Expressão
Escrita e sobre o seu tratamento, particularmente quando ocorre na ausência de
Transtorno de Leitura. Existem algumas evidências de que déficits de linguagem
e percepto-motores podem acompanhar este transtorno.
·
O Transtorno da Expressão Escrita,
de acordo com os critérios diagnósticos do DSM-V, são:
·
Dificuldades para ortografar (ou
escrever ortograficamente) (p. ex., pode adicionar, omitir ou substituir vogais
e consoantes).
·
Dificuldades com a expressão
escrita (p. ex., comete múltiplos erros de gramática ou pontuação nas frases;
emprega organização inadequada de parágrafos; expressão escrita das ideias sem
clareza).
O Transtorno de Deficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais
conhecidos na infância que ocasiona sérias dificuldades para o processo de
aprendizagem. Isto se deve à baixa concentração de dopamina e/ou noradrenalina
em regiões sinápticas do lobo frontal, leva o indivíduo a uma tríade
sintomatológica de falta de atenção, hiperatividade e impulsividade.
Atualmente, o DSM-V trouxe algumas mudanças em relação ao TDAH; agora é
possível estabelecer o diagnóstico deste transtorno concomitantemente com o
quadro de autismo, o que antes não era possível. Anteriormente também, era
necessário demonstrar que os sintomas estivessem presentes antes dos 7 anos de
idade, atualmente o limite de idade foi modificado para 12 anos.
O novo DSM-5 traz a opção de TDAH com Remissão
Parcial, que deve ser empregado naqueles casos onde houve diagnóstico pleno de
TDAH anteriormente (isto é, de acordo com todos os critérios), porém com um
menor numero de sintomas atuais. Além disto, ma última novidade do DSM-V é a
possibilidade de se classificar o TDAH em Leve, Moderado e Grave, de acordo com
o grau de comprometimento que os sintomas causam na vida do indivíduo.
Diferenças entre Dificuldade
e Distúrbio de Aprendizagem
Diagnosticando
a Dificuldade de Aprendizagem
O primeiro viés a se levar em conta
no que tange a Dificuldade de Aprendizagem é a importância da
multidisciplinaridade integrada. Ou seja, quando nos referimos à Dificuldade de Aprendizagem, estamos falando sobre um ser que possui uma maneira diferente de
aprender.
Se trata de um obstáculo, uma
barreira, um sintoma, que pode ser de origem tanto cultural quanto cognitiva ou
até mesmo emocional. É essencial que o diagnóstico seja feito o quanto antes,
uma vez que há consequências em longo prazo.
É interessante frisarmos que a maior
parte destes problemas de Dificuldade de Aprendizagem podem
ser resolvidos no ambiente escolar, haja vista que se tratam, de questões
psicopedagógicas.
Diagnosticando
o Distúrbio de Aprendizagem
Nas palavras do Dr Vitor da Fonseca,
o Distúrbio de Aprendizagem está ligado a “um grupo de
dificuldades pontuais e específicas, caracterizadas pela presença de uma
disfunção neurológica”.
Neste caso, estamos lidando com uma
questão de neurônios, de conexão. O cérebro nestes casos funciona de forma
diferente, pois, mesmo sem apresentar desfavorecimento físico, social ou
emocional, os portadores do distúrbio de aprendizagem demonstram dificuldade em
adquirir o conhecimento da teoria de determinadas matérias.
Isso não significa que ela seja
incapaz, uma vez que este quadro é reversível, necessitando para isso métodos
diferenciados de ensino adequados à singularidade de cada caso.
A maioria das crianças necessita de intervenção
psicopedagógica e/ou fonoaudiológica e continua participando das aulas
convencionais oferecidas pela escola. Porém, existem casos em que o grau do
transtorno exige que a criança passe por programas educativos individuais e
intensivos. Independentemente do caso, é importante que a criança continue a
assistir e a participar das atividades escolares normais. 7 Cabe ao
profissional que acompanha a criança ou adolescente realizar contatos com a
escola a fim de estabelecer uma maior qualidade do processo de aprendizagem,
através da inter-relação dos aspectos exigidos pela escola e do que a criança é
capaz de oferecer para suprir tais necessidades.
Além de um melhor enquadramento da proposta
educacional, outras variáveis que implicam nos Transtornos de Aprendizagem
deverão passar por um processo terapêutico. Assim, é necessário que ao se fazer
uma avaliação de um quadro de Transtorno de Aprendizagem, o profissional esteja
atento para identificar se existem fatores psicológicos que contribuem para a
manutenção do problema. Caso esta variável esteja presente, o psicólogo é o
profissional indicado para tratar dos problemas emocionais vinculados ao tipo
de Transtorno.
O tratamento farmacológico, associado ao
atendimento psicopedagógico deve ser dirigido por um psiquiatra ou
neurologista, sendo indicado, por exemplo, em casos nos quais as capacidades de
atenção e concentração da criança encontram-se debilitadas.
Terminada a abordagem,
pudemos concluir que para prevenir com que uma criança em idade pré-escolar
tenha transtornos de aprendizagem é necessário leva-los a um psicopedagogo,
onde lá será preparada para o processo de alfabetização, pode evitar ou
minimizar futuros problemas de aprendizagem. Com crianças e adolescentes em
idade escolar, desenvolve potencialidades e otimiza as aprendizagens.
·
CIASCA, S. M. (org.) Distúrbios de
aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003, 220p.
·
MÖOJEN, S. M. P. Caracterizando os
Transtornos de Aprendizagem. In: BASSOLS, A. M. S. e col. Saúde mental na
escola: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Editora Mediação, 2003.
·
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5ª edição. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
·
LAFFUE, Transtornos Del
aprendizaje. Buenos Aires, 2002.